domingo, 30 de setembro de 2012

Pele de foca, pele da alma - Mulheres que correm com os lobos


Selkies (também conhecido como silkies ou selchies) são criaturas mitológicas que são encontrados em ilhas FaroéIslândiaIrlandae Escócia folclore.
Eles podem retirar sua pele de foca para se tornarem seres humanos. A lenda sobre a origem aparentemente Orkney e Shetland, onde selch ou selk(ie) é o escocês palavra para vedação (de Inglês Antigo seolh).
Em O Segredo de Roan Inish, um pescador rouba a pele  de um Selkie. Ela é então forçada a voltar para a casa do pescador, como ela não pode escapar de volta ao mar, ela se torna sua esposa e tem filhos. A pele do selo dá-lhe poder sobre os homens, mas sem a pele ela é uma mulher mortal, presa na terra, escrava dos caprichos do marido. A vida a sufoca lentamente e ela passa muito tempo brincando nas águas rasas dos oceanos. Anos mais tarde, uma das crianças vê a pelagem e pergunta o que é. A mulher reconhece imediatamente, ela  então arma um plano para recuperar a pelagem de seu esconderijo, tendo há muito perdido a esperança de nunca mais encontrá-la. Ela não hesita, ela corre para o mar para voltar à sua vida anterior como uma Selkie.

Segue trecho do livro mulheres que correm com os lobos com a história:

Existia um lugar que vivia um homem... um homem tão solitário que, com o passar dos anos, as lágrimas haviam aberto fundos abismos no seu rosto.

Ele tentava sorrir e ser feliz. Ele caçava. Colocava armadilhas e dormia bem. No entanto, sentia falta de companhia. 
...Uma noite ele caçou até depois de escurecer, mas sem conseguir nada. Quando a lua subiu no céu e as banquisas de gelo começaram a reluzir, ele chegou a uma enorme rocha malhada no mar e seu olhar aguçado pareceu distinguir movimentos extremamente graciosos sobre a velha rocha.
Ele remou lentamente e com os remos bem fundos para se aproximar, e lá no alto da rocha imponente dançava um pequeno grupo de mulheres, nuas como no primeiro dia em que se deitaram sobre o ventre da mãe. Ora, ele era um homem solitário, sem nenhum amigo humano a não ser na lembrança — e ele ficou ali olhando. As mulheres pareciam seres feitos de leite da lua, e sua pele cintilava com gotículas prateadas como as do salmão na primavera. Seus pés e mãos eram longos e graciosos.
Elas eram tão lindas que o homem ficou sentado, atordoado, no barco, e a água nele batia, levando-o cada vez mais para junto da rocha. Ele ouvia o riso magnífico das mulheres... pelo menos elas pareciam rir, ou seria a água que ria às margens da rocha? O homem estava confuso, por se sentir tão deslumbrado. Entretanto, dispersou-se a solidão que lhe pesava no peito como couro molhado e, quase sem pensar, como se fosse seu destino, ele saltou para a rocha e roubou uma das peles de foca ali jogadas. Ele se escondeu por trás de uma saliência rochosa e ocultou a pele de foca dentro do seu qutnquqparka.
Logo, uma das mulheres gritou numa voz que era a mais linda que ele já ouvira... como as baleias chamando na madrugada... ou não, talvez fosse mais parecida com os lobinhos recém-nascidos caindo aos tombos na primavera... ou então, não, era algo melhor do que isso, mas não fazia diferença porque... o que as mulheres estavam fazendo agora?
Ora, elas estavam vestindo suas peles de foca, e uma a uma as mulheres-focas deslizavam para o mar, gritando e ganindo de felicidade. Com exceção de uma. A mais alta delas procurava por toda a parte a sua pele de foca, mas não a encontrava em lugar nenhum. O homem sentiu-se estimulado — pelo quê, ele não sabia. Ele saiu de trás da rocha, dirigindo um apelo a ela.
— Mulher... case-se... comigo. Sou um... homem... sozinho.
— Ah — respondeu ela. — Eu não posso me casar, porque sou de outra natureza, pertenço aos que vivem temeqvanek, lá embaixo.
— Case-se... comigo — insistiu o homem. — Em sete verões, prometo lhe devolver sua pele de foca, e você poderá ficar ou ir embora, como preferir.
A jovem mulher-foca ficou olhando muito tempo o rosto do homem com olhos que, se não fossem suas origens verdadeiras, pareciam humanos.
— Irei com você — disse ela, relutante. — Dentro de sete verões, tomaremos a decisão.
E assim, com o tempo, tiveram um filho a quem deram o nome de Ooruk. A criança era ágil e gorda. No inverno, a mãe contava a Ooruk histórias de seres que viviam no fundo do mar enquanto o pai esculpia um urso em pedra branca com uma longa faca. 

...
No entanto, à medida que o tempo foi passando, sua pele começou a ressecar. A princípio, ela escamou e depois passou a rachar. A pele das suas pálpebras começou a descascar. O cabelo da sua cabeça, a cair no chão. Ela se tornou naluaq, do branco mais pálido. Suas formas arredondadas começaram a definhar. Ela procurava esconder seu caminhar claudicante. A cada dia seus olhos, sem que ela quisesse, iam ficando mais opacos. Ela passou a estender a mão para tatear porque sua vista estava escurecida.
E as coisas iam dessa forma até uma noite em que o menino Ooruk despertou ouvindo gritos e se sentou ereto nas cobertas de pele. Ele ouviu um rugido de urso, que era seu pai repreendendo a mãe. Ouviu, também, um grito como o da prata que ressoa com uma pedra, que era sua mãe.
— Você escondeu minha pele de foca há sete longos anos, e agora está chegando o oitavo inverno. Quero que me seja devolvido aquilo de que sou feita — gritou a mulher-foca.
— E você, mulher — vociferou o marido. — Você me deixará se eu lhe der a pele.
— Não sei o que eu faria. Só sei que preciso daquilo a que pertenço.
— E você me deixaria sem mulher, e a seu filho, sem mãe. Você é má.
Com essas palavras, o marido afastou com violência a pele da porta e desapareceu noite adentro.
O menino adorava a mãe. Ele tinha medo de perdê-la e, por isso, chorou até dormir... só para ser acordado pelo vento. Um vento estranho... que parecia chamálo.
— Oooruk, Ooorukkkk.
Ele pulou da cama, tão apressado que vestiu o parka de cabeça para baixo e só puxou os mukluksaté a metade. Ao ouvir seu nome chamado insistentemente, ele saiu correndo na noite estrelada.
— Ooooooorukkk.
O menino correu até o penhasco de onde se via a água e lá, bem longe no mar encapelado, estava uma foca prateada, imensa e peluda... Sua cabeça era enorme. Seus bigodes lhe caíam até o peito. Seus olhos eram de um amarelo forte.
— Ooooooorukkk.
O menino foi descendo o penhasco de qualquer jeito e bem junto à base tropeçou numa pedra, não, numa trouxa, que rolou de uma fenda na rocha. O cabelo do menino fustigava seu rosto como milhares de açoites de gelo.
— Ooooooorukkk.
O menino abriu a trouxa e a sacudiu: era a pele de foca da sua mãe. Ah, ele sentia seu perfume na pele inteira. E, enquanto mergulhava o rosto na pele de foca e respirava seu cheiro, a alma da mãe penetrava nele como um súbito vento de verão.
— Ah — exclamou ele com alegria e dor, e levou novamente a pele ao rosto. Mais uma vez, a alma da mãe passou pela dele. — Ah!!! — gritou ele de novo, porque estava sendo impregnado pelo amor infindo da mãe.
E a velha foca prateada ao longe mergulhou lentamente para debaixo d'água.
O menino escalou o penhasco, voltou correndo para casa com a pele de foca voando atrás dele e se jogou para dentro de casa. Sua mãe contemplou o menino e a pele e fechou os olhos, cheia de gratidão pelo fato de os dois estarem em segurança. Ela começou a vestir sua pele de foca.
— Ah, mãe, não! — gritou o menino. Ela apanhou o menino, ajeitou-o debaixo do braço e saiu correndo aos trambolhões na direção do mar revolto.
— Ai, mamãe, não me abandone! — implorava Ooruk. E logo dava para se ver que ela queria ficar com o filho, queria mesmo, mas alguma coisa a chamava, algo que era mais velho do que ele, mais velho do que ela, mais antigo que o próprio tempo.
— Ah, mamãe, não, não, não — choramingou a criança. Ela se voltou para ele com uma expressão de profundo amor nos olhos. Segurou o rosto do menino nas mãos e soprou para dentro dos pulmões do menino seu doce alento, uma vez, duas, três vezes. Depois, com o menino debaixo do braço como uma carga preciosa, ela mergulhou bem fundo no mar e cada vez mais fundo. A mulher-foca e seu filho não tinham dificuldade para respirar debaixo d'água.
Eles nadaram muito para o fundo até que entraram no abrigo subaquático das focas, onde todos os tipos de criaturas estavam jantando e cantando, dançando e conversando, e a enorme foca prateada que havia chamado Ooruk de dentro do mar da noite abraçou o menino e o chamou de neto.
— Como você está se saindo lá em cima, minha filha? — perguntou a grande foca prateada.
A mulher-foca afastou o olhar e respondeu.
— Magoei um ser humano... um homem que deu tudo para que eu ficasse com ele. Mas não posso voltar para ele, porque, se o fizer, estarei me transformando em prisioneira.
— E o menino? — perguntou a velha foca. — Meu neto? — Ele estava tão orgulhoso que sua voz tremia.
— Ele tem de voltar, meu pai. Ele não pode ficar aqui. Ainda não chegou o seu tempo de ficar conosco. — Ela chorou. E juntos eles choraram.
E assim passaram-se alguns dias e noites, exatamente sete, período durante o qual voltou o brilho aos cabelos e aos olhos da mulher-foca. Ela adquiriu uma bela cor escura, sua visão se recuperou, seu corpo voltou às formas arredondadas, e ela nadava com agilidade. Chegou, porém, a hora de devolver o menino à terra. Nessa noite, o avô-foca e a bela mãe do menino nadaram com a criança entre eles. Vieram subindo, subindo de volta ao mundo da superfície. Ali eles depositaram Ooruk delicadamente no litoral pedregoso ao luar.
— Estou sempre com você — afiançou-lhe sua mãe. — Basta que você toque algum objeto que eu toquei, minhas varinhas de fogo, minha ulu, faca, minhas esculturas de pedra de focas e lontras, e eu soprarei nos seus pulmões um fôlego especial para que você cante suas canções.
A velha foca prateada e sua filha beijaram o menino muitas vezes. Afinal, elas se afastaram, saíram nadando mar adentro e, com um último olhar para o menino, desapareceram debaixo d'água. E Ooruk, como ainda não era a sua hora, ficou.
Com o passar do tempo, ele cresceu e se tornou um famoso tocador de tambor, cantor e inventor de histórias. Dizia-se que tudo isso decorria do fato de ele, quando menino, ter sobrevivido a ser carregado para o mar pelos enormes espíritos das focas.  Agora, nas névoas cinzentas das manhãs, ele às vezes ainda pode ser visto, com seu caiaque atracado, ajoelhado numa certa rocha no mar, parecendo falar com uma certa foca fêmea que freqüentemente se aproxima da orla. Embora muitos tenham tentado caçá-la, sempre fracassaram. Ela é conhecida como Tanqigcaq, a brilhante, a sagrada, e dizem que, apesar de ser foca, seus olhos são capazes de retratar expressões, aquelas expressões sábias, selvagens e amorosas.

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Nem tudo se pode ver, ouvir ou dizer Texto de Betty Milan.



Um músico me escreve contando que pertence a uma grande orquestra, mas não tem prazer no trabalho por causa dos colegas. Não suporta o despotismo, a vaidade, a prepotência, a arrogância e a mania de grandeza de alguns. O convívio com “egos inflados“ é demasiadamente penoso, e ele me pergunta o que fazer.
Eu, que sempre faço a apologia do ato generoso da escuta, sugiro ao músico que faça ouvidos moucos. Lembro que ele tem o privilégio de escutar os sons mais sutis e sabe ouvir o silêncio. Não precisa dar ouvidos ao que não interessa. Inclusive porque egos inflados estão em toda parte e a luta contra eles não leva a nada. Evitar a luta de prestígio é um bem que nós fazemos a nós e aos outros.
Para viver, nem tudo nós podemos ver, escutar ou dizer. Isso é representado, desde a Antiguidade, pelos três macacos da sabedoria. Cada um cobre uma parte diferente do rosto com as mãos. O primeiro cobre os olhos, o segundo, as orelhas e o terceiro, a boca. A representação é originária da China. Foi introduzida no Japão, no século VIII, por um monge budista. A máxima que ela implica é “não ver, não ouvir e não dizer nada de mau“. Foi adotada por Gandhi, que levava sempre consigo os três macaquinhos, o cego, o surdo e o mudo - Mizaru, Kikazaru e Iwazaru.
Eles ensinam a não enxergar tudo o que vemos, não escutar tudo o que ouvimos e não dizer tudo o que sabemos. Noutras palavras, ensinam a selecionar e a conter-se. Isso é decisivo para uma atitude construtiva, mas não é fácil. Somos impelidos a focalizar o que nos prejudica - impelidos por um gozo masoquista ao qual temos de nos opor continuamente. Só a consciência disso permite não sair do caminho em que a vida desabrocha.
Seleção e contenção tornam a existência mais fácil. Desde  que não sejam um efeito da repressão, como na educação tradicional, e sim do desejo do sujeito - um desejo vital de se opor às forças do inconsciente que podem nos fazer mal. Isso implica a humildade de aceitar que o inconsciente existe e nós não somos donos de nós mesmos.
A ideia não é nova. Data da descoberta da psicanálise por Freud, no fim do século XIX, mas continua a ser ignorada porque é difícil nos livrarmos do ego. Sobretudo numa sociedade como a nossa, que tanto valoriza, e que não condena a vaidade, a prepotência, a arrogância. Pelo contrário, estimula-as para se perpetuar.
Betty Milan é psicanalista, escritora e assina a coluna Consultório Sentimental em veja.com.

domingo, 23 de setembro de 2012

O AMOR DE EROS E PSIQUÉ E A INDIVIDUAÇÃO DA MULHER



Uma viagem no tempo por meio do conto "Eros e Psiqué", da mitologia clássica, escrito pela primeira vez por Lúcio Apuleio. Disponível na versão em Espanhol para download em http://www.dominiopublico.gov.br/, e ainda, na versão impressa: BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia grega. Petrópolis, Vozes, 1987, vol.II 



Havia um casal de rei e rainha que tinham três filhas, sendo que a mais jovem era a mais bela das mortais e estava sendo adorada no lugar de Afrodite, como deusa do amor e da beleza. Afrodite com ciúmes ordenou a seu filho Eros que fizesse Psiqué se apaixonar pelo homem mais monstruoso. O pai de Psiqué consultou o oráculo de Apolo sobre o destino de sua filha, e a resposta foi que ela deveria ser levada ao alto de um rochedo onde se uniria a um monstro horrível. 

Eros, no entanto, ao tentar atingir Psiqué com uma de suas flechas, acabou se ferindo e se apaixonando por ela. Pediu então ao vento Zéfiro que a transportasse para o seu palácio. No palácio de Eros, Psiqué foi servida, nos seus desejos, por vozes. Eros vinha à noite, se unia a Psiqué, sem se deixar ver, e desaparecia antes do amanhecer.
 
As duas irmãs de Psiqué foram à montanha chorar a ausência desta, que, entristecida, pediu a Eros que as trouxesse ao palácio. As irmãs foram trazidas ao palácio, mas ao verem-na tão rica e feliz sentiram muita inveja e quiseram conhecer o marido de Psiqué. Esta, prevenida por Eros, não respondeu às perguntas e mandou-as de volta.
 
As duas irmãs eram infelizes com os maridos – um deles era feio e avarento, e o outro era velho e doente. Psiqué, pouco tempo depois, já estava chorando novamente de saudades das irmãs e pedindo a Eros que as deixasse visitá-la de novo. Novamente as irmãs foram levadas pelo vento Zéfiro ao palácio, e desta vez foram mais convincentes e conseguiram fazer Psiqué acreditar que seu marido seria uma serpente gigantesca e monstruosa. Psiqué estava grávida, mas segundo suas irmãs, o marido monstruoso não tardaria a devorá-la.

Psiqué, então, confusa com a conversa das irmãs, acabou lhes confessando não saber quem era seu marido. As irmãs então a fizeram preparar uma lamparina e um punhal. Com a lamparina ela deveria iluminar o rosto de seu esposo e com o punhal cortar-lhe fora a cabeça. À noite, quando Eros já dormia, Psiqué acendeu a lamparina e viu o rosto do marido – um homem belíssimo. Não conseguindo mais pensar em matá-lo, deixou cair o punhal. Ao ver sua aljava, foi tocá-la e se feriu numa das flechas, desta maneira, ficando perdida e eternamente apaixonada por ele. Sem se dar conta, deixou pingar uma gota de óleo quente da lamparina no ombro de Eros, acordando-o e fazendo-o fugir do palácio. 

Psiqué, desesperada com a ausência do marido, tenta se matar, jogando-se num rio, mas as águas a devolvem a terra. Pan, que estava por perto, aconselha-a que chame e procure pelo esposo. Enquanto isso, Afrodite fica sabendo que Eros está ferido, e pior ainda, apaixonado por sua rival Psiqué. Curiosa, vai ao encontro do filho. Psiqué, depois de pedir em vão ajuda às deusas Hera e Deméter, e cansada de procurar por Eros, resolve ir ao encontro de Afrodite, para lhe pedir perdão.
 
Afrodite, no entanto, a recebe muito mal, humilha-a, espanca-a e ainda lhe impõe quatro tarefas: A primeira tarefa seria separar uma montanha de sementes por espécie, durante o período de uma noite. Psiqué sabia ser uma tarefa impossível para ela, mas vê aparecerem várias formigas que a ajudam e as sementes são rapidamente separadas.
Afrodite, furiosa, lhe passa a segunda tarefa: exige que Psiqué lhe traga, sem falta, flocos da lã de ouro dos carneiros ferozes que existiam ali perto. 

Psiqué pensa mais uma vez em se jogar no rio, mas um caniço da beira do rio lhe sugere uma solução para o problema – ela não deveria se aproximar dos carneiros com o sol a pino porque eles estariam enfurecidos e poderiam matá-la. Ela deveria aguardar o calor diminuir, os carneiros, indo descansar, deixariam flocos de lã presos nas árvores do bosque. Seria então fácil para Psiqué colher a lã de ouro que precisasse. E assim foi feito.

Afrodite agora mais furiosa, achando que Psiqué só conseguira se desincumbir das tarefas por estar sendo ajudada por Eros, ordenou-lhe que cumprisse mais uma: com um vaso de cristal dado por Afrodite, Psiqué deveria apanhar água da fonte dos rios Cocito e Estige (rios infernais – sua nascente era guardada por dois dragões).
 
Psiqué novamente pensou em desistir de tudo, mas desta vez foi ajudada pela águia de Zeus, isto é, o próprio Zeus metamorfoseado em águia cumpriu a tarefa por ela.
Veio então a quarta tarefa, e a mais difícil de todas: Psiqué deveria buscar no Hades, o reino dos mortos, com Perséfone, sua rainha, uma caixa que continha a "poção da beleza imortal" para ser entregue a Afrodite. 

Psiqué, totalmente desesperançada, subiu a uma torre alta para se jogar lá de cima. A torre, no entanto, aconselhou-a a como se desincumbir satisfatoriamente desta empreitada: deveria levar na boca duas moedas para pagar a passagem de ida e volta ao barqueiro Caronte. Em cada mão levaria um bolo de cevada para dar ao cão Cérbero que guardava a entrada e saída do Hades. Ela sofreria quatro tentações ao longo do caminho: primeiro passaria por um homem coxo, puxando um asno também coxo que carregava lenha. Deveria recusar-se a ajudá-los. Depois, já no barco de Caronte, um velho surgiria da água e lhe pediria "carona" no barco. Psiqué não poderia ajudá-lo. A terceira tentação seria quando passasse por tecedeiras que também lhe pediriam ajuda, e mais uma vez deveria se negar em ajudar.

Por fim, a quarta tentação seria quando encontrasse Perséfone, não deveria aceitar o seu convite para jantar, o mais importante de tudo: logo que conseguisse a caixa, teria que retornar rapidamente sem abri-la. Psiqué seguiu as instruções da torre em quase tudo, mas não resistindo à curiosidade sobre a caixa da beleza, acabou por abri-la e caiu num sono mortal.

Eros então, penalizado, vem agora em socorro de sua esposa. Guarda de novo o conteúdo na caixa e desperta Psiqué novamente para a vida. Zeus eleva Psiqué à imortalidade do Olimpo. Do casamento nasce uma menina chamada Volúpia.


EROS E PSIQUÉ – SOBRE A INDIVIDUAÇÃO DA MULHER

Para entender melhor a leitura deste artigo, você precisa primeiro conhecer o conto "Eros e Psiqué", pois aqui se propõe um rastreamento simbólico da formação individual da mulher, a partir deste conto, que usa atributos de deuses mitológicos, para criar uma história arquetípica. Recompondo-a, compreendemos o eu feminino individual e socialmente.

Há um conflito no processo de individuação do feminino. Este conflito parte das expectativas da sociedade sobre a mulher, dos papéis que lhe são reservados, e de seus anseios individuais. 

Ao lermos o mito de Eros e Psiqué, podemos interpretar instâncias relacionadas ao universo social feminino, tais como o casamento e os papéis de filha e de mãe.
O casamento é um rito que marca a transição entre papéis tipicamente femininos: os de filha, de esposa e de mãe. Toda mulher, ao vivenciar o amor com um homem, rompe o cordão umbilical que a liga à sua mãe. Esse rompimento compara-se à morte simbólica da filha e à passagem para as condições de esposa e de mãe, para as quais a menina deve tornar-se mulher.

A evolução narrativa do mito de Psiqué corresponde ao processo de individuação da mulher, que parte da condição de filha para a disputa com Afrodite (mãe de Eros), motivada pela vaidade ou busca de um ideal de beleza, como condição para encontrar seu próprio caminho. Para perceber isto, basta ao leitor fazer correlações entre a simbologia do conto e os processos psíquicos de formação do eu. 

Psiqué: personagem feminina cuja beleza provoca os ciúmes de Afrodite. Representa a mulher que, motivada pela competição feminina em benefício da vaidade, parte em busca de seu próprio eu.

Vozes: servem Psiqué no Palácio de Eros, depois deste haver se apaixonado por ela, ao tentar atingi-la com uma flecha, para cumprir as determinações de Afrodite e fazer Psiqué apaixonar-se por um monstro. Como o feitiço volta-se contra o feiticeiro, Eros apaixona-se por Psiqué e arrebata-a ao seu Palácio, onde vozes a atendem em todos os seus desejos. Essas vozes representam à fase ideal do enamoramento por que passam as relações amorosas. 

A chegada de Psiqué ao Palácio de Eros: representa a descida ao inconsciente. A auto-análise requer uma fase em que há vozes a serviço do eu, em que a felicidade parece haver sido encontrada definitivamente. Isto corresponderia à fase imediata ao já referido rompimento do cordão umbilical, em que a menina torna-se mulher pela experiência de enamoramento, pela sensação de casamento, sem estar necessária e legitimamente casada, mas apta a assumir os papéis de esposa e mãe.
 
As duas irmãs invejosas: exercem os papéis de filha e mãe dentro de seus casamentos, em relação a seus maridos, pois um é velho e feio (filha), e o outro é doente (mãe). Somente Psiqué parece não haver estagnado no papel de filha ou pulado para o de mãe, mas vive uma fase ideal importantíssima no processo de individuação da mulher, em que o ideal de felicidade se lhe afigura na presença amorosa de um homem provedor/protetor, para o qual a mulher parece predestinada.

O punhal e a lamparina: Psiqué, induzida pelas irmãs, aproxima-se de Eros com um punhal e uma lamparina, enquanto ele dorme, a fim de desvendar seu mistério e assassiná-lo. Porém, descobre nele um homem lindo e, ferida por uma flecha de sua aljava, apaixona-se por ele também. Mas deixa cair óleo quente da lamparina sobre seu ombro e o desperta. Ele foge, deixando-a sozinha. O punhal é o elemento que corta e separa, representa o corte racional necessário para a individuação da mulher, o distanciamento emocional necessário à compreensão de sua própria condição feminina, independente da figura masculina ou de qualquer outra. A lamparina é a luz da consciência, não dissociada do punhal.

A saída do Palácio: representa a busca independente da mulher por seu próprio eu, através do amor personificado em Eros.
A partir deste momento, na narrativa, a mulher enfrentará obstáculos, mas contará com o auxílio de outras entidades em benefício da auto-superação. Essas entidades são representações de virtudes essenciais no processo de individuação, tais como, o deus Pan (representa o instinto), Hera, Deméter e Afrodite (representam à rivalidade, a indiferença e a própria violência intrínseca ao processo de individuação, pois essas entidades negam ajuda a Psiqué, aumentando-lhe a dor e o sofrimento necessários à maturação individual). 
Afrodite lhe impõe quatro tarefas impossíveis que representam situações de auto-superação:

1. Separar uma montanha de sementes por espécie, durante o período de uma noite: tarefa onde Psiqué conta com a ajuda das formigas. A montanha de sementes por espécie simboliza os complexos inconscientes que, individualmente, constituem elaboração e crescimento virtuais. As formigas representam à paciência, a diligência e a sabedoria instintiva para distinguir os complexos amontoados. 

2. Trazer flocos da lã de ouro de carneiros ferozes: representam à impulsividade agressiva, irreflexiva e negativa. Esta tarefa leva Psiqué a pensar em suicídio pela segunda vez, mas ela conta com a ajuda de um caniço, que representa a salvação e a sabedoria, a necessidade de esperar para agir, de meditar primeiro para não agir precipitadamente. 

3. Apanhar água da fonte dos rios Cócito e Estige, com um vaso de cristal dado por Afrodite: esses rios referidos são infernais e guardados por dois dragões, mas Psiqué conta com a ajuda do próprio Zeus que se transforma numa águia e cumpre a tarefa por ela. A água representa a vida no seu fluir até a morte que, por não poder ser retida ou controlada pela humanidade, deve ser manipulada apenas pela divindade, donde a intervenção de Zeus na narrativa.

4. Buscar a caixa da beleza imortal para entregá-la a Afrodite: essa caixa estava com a rainha Perséfone, no reino dos mortos (Hades). Mas desta vez Psiqué conta com a ajuda da própria torre na qual sobe para suicidar-se diante da dificuldade da tarefa. A torre simboliza uma construção humana como sua própria consciência, a introversão e o isolamento necessários à amplitude da mesma consciência. 

Essas quatro tarefas têm em comum o grau de dificuldade desanimador que culmina com o desespero da personagem, sendo, no entanto, compensado pelo auxílio das formigas, do caniço, de Zeus e da torre que representam instâncias reguladoras do processo de maturação feminina.

As tentações de Psiqué: 

A torre a aconselha a munir-se de duas moedas para pagar a passagem de ida e volta do Hades a Caronte, e de bolos de cevada e mel para dar a Cérbero, mas a alerta para tentações que têm em comum a motivação do lado bom de Psiqué. O processo de maturação do eu feminino requer, às vezes, uma renúncia à bondade, uma indiferença às necessidades alheias e periféricas diante da necessidade individual da mulher, por isso a torre pede a Psiqué que tenha forças para resistir à tentação de ser piedosa. Essas tentações estão representadas no conto por:

1. Um homem e um asno coxos: Este homem chama-se Ocnus e deixa cair a corda com que puxava o asno. Ele seria a representação da hesitação à medida que, naquelas circunstâncias, não se poderia sair do lugar (a busca da perfeição feminina não pode desobstinar-se diante da imperfeição humana ou animal). 

2. Um velho que lhe pediria carona no barco de Caronte: esse velho representa neuroses, que às vezes dominam a consciência. Há pessoas que surgem no caminho da individuação feminina e cuja aparência madura pode indicar benefícios a este processo pessoal, mas deve haver resistência por parte da mulher, pois se tal processo é individual, a ajuda mútua recorrente pode não ser útil. Digo recorrente porque, em outros momentos do conto, Psiqué já fora ajudada por entidades mais experientes, estando inclusive gozando desta ajuda para discernir a tentação do velho. Quando você ajuda alguém, você tende a identificar-se com este alguém e Psiqué não poderia identificar-se com a maturidade do velho, como não o pôde com as limitações físicas do homem e do asno, e como não o poderá com o enredamento dispersivo das tecedeiras.

3. Um grupo de tecedeiras: essas tecedeiras seriam em número de três e estariam associadas às três moiras (Cloto, Láquesis e Átropo), as divindades do destino na Grécia. A lição aqui seria não dar atenção ao destino, não tentar entendê-lo e nem manipulá-lo, mas deixar que as coisas aconteçam. As tecedeiras poderiam representar, entre os fios de tecidos de seu trabalho, caminhos que poderiam dispersar Psiqué de sua tarefa principal àquele momento.

4. O convite de Perséfone para jantar: nada, por mais prazenteiro que seja, deve atrapalhar o alcance de sua meta. Estabelecer relações com as pessoas no seu caminho pode desviá-la de sua meta. 

Finalmente, todas essas categorias de tentação são vencidas, cada uma com seu próprio ensinamento. Apesar de serem uma luta contra a própria natureza. Há, porém, uma tentação relativa à curiosidade feminina, que leva Psiqué a abrir a caixa da beleza e cair em sono mortal.

Isto lhe vulnerabiliza e a condiciona à intervenção masculina e divina personificadas respectivamente em Eros, que a ajuda e a desperta para a vida, e Zeus, que a imortaliza no Olimpo, dando origem à outra entidade feminina que recebe o nome de Volúpia.

Psiqué, ao desincumbir-se das tarefas e manter sua beleza, desperta medo em Eros por parecer com Afrodite. Mas, ao vulnerabilizar-se, reacende os cuidados de Eros. 
Ser mulher é isto: um entre-lugar onde força, vaidade, autoridade e fragilidade se misturam para provocar o imaginário masculino. 



Indicação de leitura:
resenhando.com
BOECHAT, Paula Pantoja. Eros e Psiqué – sob o ponto de vista da individuação da mulher (p.97-112) In: BOECHAT, Walter (Org.). Mitos e arquétipos do homem contemporâneo. Petrópolis, Vozes, 1995, 198 págs.
 
Um estudo da mitologia à luz da psicologia junguiana. Os símbolos mitológicos ou literários tratados neste livro representam arquétipos de nossa formação individual. O símbolo pode iluminar o desenvolvimento psicológico do indivíduo e os problemas sociais da cultura atual.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

O “Adultecer” Masculino: O jovem Neoptólemo entre a sabedoria ética de Filoctetes e a ganância de Ulisses (Odisseu)


Neoptólemo, também conhecido por Pirro, é filho de Aquiles e de Deidamia. Aquiles foi o herói mais importante da guerra de Tróia exaltado no poema épico a Ilíada por sua ira funesta. Mesmo com tanta ira, Aquiles não foi um herói insensível à dor emocional e sabia demonstrar sentimentos de carinho e amizade.
A personalidade Ambígua de Aquiles foi presente também na figura de seu filho Neoptólemo. Se por um lado, era um herói temido pelos inimigos, por outro, era capaz de gestos de amizade e de reconhecer os próprios erros. A complexidade da sua personagem está evidente na tragédia sofocliana Filoctetes. 
A obra Filoctetes contrapõe dois planos no qual o jovem Neoptólemo terá de escolher qual dos dois seguirá: o da manipulação de Ulisses (Odisseu) ou o da busca e do encontro com a o amadurecimento no ato de pensar por si mesmo ao ser ético e reflexivo na amizade com Filocteto.  O herói trágico Filoctetes foi mordido por uma serpente quando se aproximou do templo não coberto de Crisa guardado por uma serpente. A ferida causou-lhe grande angustia e sofrimento causando gritos lacerantes de dor e cheiro insuportável da ferida. A tragédia e suas consequências fizeram com que Filoctetes fosse abandonado em uma ilha pelos atridas e por Ulisses.
A roda da sorte mudou quando uma profecia disse que a guerra de Tróia só terminaria se Paris morresse pela mão de Filoctetes. Essa era a condição necessária para o fim de dez anos de guerra, haja vista Filoctetes possuir o arco mágico de Hércules. Assim, Neoptólemo é induzido por Ulisses a enganar Filoctetes para que esse retornasse à Tróia, porque pela força era impossível.
O jovem recusou de início, afirmou que não estava na sua natureza utilizar tais artimanhas. Ulisses, o dos mil estratagemas, pretendia que o jovem se apoderasse do arco, tornando-se amigo do maliense e convencendo-o de que o levaria de volta à sua pátria. Neoptólemo, movido por más influências e pelo desejo constante de possuir fama e glória, aceita a ordem e engana Filoctetes. Este chega ao ponto de acreditar vivamente no filho do seu grande amigo Apolo e, num momento de sofrimento, por causa da chaga, entrega-lhe as armas.
Todavia, a convivência com o sofrimento alheio, a amizade estabelecida entre os dois e a confiança que Filoctetes depositara na sua pessoa, levam Neoptólemo a contar a verdade. O jovem sofre uma valiosa transformação deixando de ser um herói do tempo antigo que visava fazer o bem ao amigo e o mal ao inimigo para se transformar num herói cuja justiça é um bem valioso e que por esse motivo deve ser posta em prática. O jovem guerreiro ainda tenta uma derradeira tentativa para levar o maliense para Tróia, desta vez pela persuasão, mas não consegue sendo mesmo necessária a intervenção do deus ex machina para conseguir levá-lo.
A personagem de Neoptólemo é muito importante nesta tragédia porque trata da questão da transmissão de virtude, em voga na época clássica. Será que o ser humano deve o seu comportamento à herança recebida dos antepassados ou à educação que eventualmente recebeu? Na época clássica, no campo da educação, o assunto conheceu diferentes métodos de análise, principalmente por parte dos sofistas. Alguns autores conservavam o pensamento tradicional de que a natureza humana era fruto da linhagem dos antepassados, mas outros, como por exemplo, Antifonte, afirmavam que a educação era a primeira de todas as coisas humanas.

Aprender a ser

Neste herói estão presentes os dois aspectos que os sofistas (defensores do ensino da virtude), consideravam indispensáveis para o bom desenvolvimento da conduta humana: a natureza e a educação. Embora ele tivesse as qualidades naturais herdadas do pai, e elas tenham sido relevantes para o culminar dos acontecimentos, o fato é que o sofrimento e a convivência com Filoctetes tiveram uma contribuição importante para o desfecho da situação. A natureza de Neoptólemo poderia ter sido desviada definitivamente se a influência de Ulisses tivesse sido prolongada por mais tempo. A natureza do filho de Aquiles, repleta de princípios louváveis, foi aperfeiçoada por meio da convivência e pela noção do conceito de justiça que Filoctetes lhe propiciou.


"... Aprende que não temos que mudar de amigos se compreendemos que os amigos mudam, e percebe que seu melhor amigo e você podem fazer qualquer coisa, ou nada, e terem bons momentos juntos.

Descobre que as pessoas com quem você mais se importa na vida são tomadas de você muito depressa, por isso sempre devemos deixar as pessoas que amamos com palavras amorosas. Pode ser a última vez que as vejamos.

Aprende que as circunstâncias e os ambientes têm influência sobre nós, mas nós somos responsáveis por nós mesmos.

Começa a aprender que não deve se comparar com os outros, mas com o melhor que você pode ser.

Descobre que leva muito tempo para se tornar a pessoa que se quer ser, e que o tempo é curto.

Aprende que não importa onde já chegou, mas onde está indo, mas se você não sabe para onde está indo, qualquer caminho serve.

Aprende que, ou você controla seus atos ou eles o controlarão, e que ser flexível não significa ser fraco ou não ter personalidade, pois não importa
quão delicada e frágil seja uma situação, sempre existem dois lados.

Aprende que heróis são pessoas que fizeram o que era necessário fazer, enfrentando as consequências."


Shakespeare (?)


domingo, 9 de setembro de 2012

Sugestão de livro: Mulheres que correm com os lobos - mitos e histórias do arquétipo da mulher selvagem Clarisse Pinkola


Autor: Clarissa Pinkola Estés
Editora: Rocco
ISBN: 8532504442
Ano: 1994
Páginas: 627
ISBN: 8532504442
Tradutor: Waldéa Barcellos


Resenha por: Pri S


Para começar: não, este não é um livro de auto-ajuda. E digo isso porque muitas pessoas me perguntaram a respeito dessa classificação do livro quando descobriram que eu o estava lendo.
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Ele é o resultado da vivência pessoal, profissional e de estudo da autora que é uma analista junguiana e se autodenomina "cantadora", isto é, uma pessoa que gosta de contar estórias, lendas e mitos desde sempre - algo que ela afirma ter aprendido com sua própria família.
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Mas é um livro para profissionais da área de Psicologia que tenham uma preferência pela abordagem da Psicologia Analítica ou pode ser lido por qualquer pessoa? Qualquer pessoa que se interesse pelas especificidades das vivências femininas vai tirar boas experiências do livro. Profissionais da área "saem ganhando" no sentido de possuírem previamente uma familiaridade com os conceitos junguianos nos quais a autora fundamenta suas análises ao longo da escrita. Mas todos os interessados podem ler porque o discurso de Clarissa fala a qualquer um de nós. E ela aborda as mesmas coisas de maneiras diferentes até esgotar as variadas formas de explicação que podem ser utilizadas para transmitir uma ideia. Isso até faz com que o livro pareça repetitivo em alguns momentos - mas, na verdade, ela apenas quer deixar absolutamente claro, para qualquer pessoa, aquilo sobre o que ela está falando.
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A autora faz uso do arquétipo da mulher selvagem para mostrar quem é a mulher de fato, quais são suas necessidades, suas dificuldades, sua forma de estar no mundo. E utiliza a figura da loba para concretizar esse lado instintivo, selvagem, o que há de mais visceral em cada uma de nós, mulheres.
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Clarissa, durante suas pesquisas e seu trabalho com as próprias analisandas que passaram por seu consultório, foi percebendo que as mulheres vinham apresentando medos, posicionamentos frágeis, bloqueios e falta de criatividade e também um acúmulo de funções familiares, profissionais e sociais que as afastavam cada vez mais do que verdadeiramente elas eram. Como se a natureza selvagem estivesse sofrendo uma domesticação ao longo dos anos e aprisionado as mulheres, deturpando seus valores, necessidades e sua espontaneidade.
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O objetivo de Clarissa é que as mulheres (re)conscientizem-se de quem são. Retomem o poder. Busquem o auto-conhecimento e sejam capazes de se conectarem novamente com  as características saudáveis e instintivas da mulher selvagem, para que posssam viver mais plenamente, eliminando culpas, ocupando seu lugar no mundo com segurança e sendo mais felizes.
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De que modo ela faz isso? Em cada capítulo do livro ela narra algum mito, uma história de contos de fada, uma lenda folclórica de diversos povos para ilustrar fases ou características femininas, sempre correlacionando-as ao reencontro com a mulher selvagem que cada mulher tem dentro de si. Ela "destrincha" os contos, fazendo uma leitura à luz da Psicologia Analítica, trazendo conceitos Junguianos traduzidos de uma forma a se tornarem mais acessíveis, dentro do possível, e esclarecedores dos pontos cuja autora aborda.
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Além de conhecermos lendas, mitos, contos de diversos lugares do mundo, também somos sensibilizados à psicologia feminina, sentimentos e situações comuns pelas quais a maior parte das mulheres passa, de uma maneira ou de outra, e somos convidados a refletir sobre a interpretação dos mitos, a forma como eles se apresentam concretamente nas nossas vidas e de que modo podemos assumir o controle e tornar aquele aprendizado teórico numa transformação da nossa visão de mundo, melhorando a nossa qualidade de vida, aumentando a autoestima, retomando as rédeas de nossas vidas em outras bases e parando de nos desculpar por termos, sim, uma psicologia diferente da masculina.
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Não considero o livro de fácil leitura e ele não possui uma linguagem simplificada. Ele também não vai fornecer respostas prontas, receitas e "dicas" fechadas. Ele merece uma leitura calma, uma boa capacidade de interpretação e tem como pré-requisito o gosto pelas estórias, lendas e mitos e o interesse nas interpretações sob o viés da psicologia Analítica.
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No geral, foi um livro que me encantou e que será relido outras vezes, com calma, saboreando cada lenda e o tom de "senta que lá vem estória" que é típico da autora. Super indico e vou me abster de dar detalhes mais específicos sobre o conteúdo da obra. Porque são tantas estorinhas, tantas explanações, tantos temas diferentes que eu não daria conta e nem seria justa ao "pinçar" algum fragmento sem o contexto devido.
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Segue trechinho da contracapa:
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"Mulheres que correm com os lobos identifica a essência da alma feminina, sua psique instintiva mais profunda, com o arquétipo da mulher selvagem, e propõe o resgate desse passado longínquo, como forma de atingir a verdadeira libertação."

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Uma vez eu tive uma Ilusão. Por que eu a deixei? Não sei. Eu só sei que ela se foi....





Ilusion        Uma vez eu tive uma ilusão
E não soube o que fazer
Não soube o que fazer
Com ela
Não soube o que fazer
E ela se foi
Porque eu a deixei
Por que eu a deixei?
Não sei
Eu só sei que ela se foi
Meu coração desde então
La fora todo dia
No portão
Por ela
não soubo o que fazer
e ela se foi
Porque eu a deixei
Por que eu a deixei?
Não sei
eu só sei que ela si foi
Sei que tudo o que eu queria...
Deixei tudo o que eu queria...
Porque não me deixei tentar
Vivê-la feliz
É a ilusão de que volte...
O que me faça feliz...
Faça viver...
Por ella no supe que hacer
Y se me fue
Porque la deje
¿Por que la deje?
No sé
Solo sé que se me fue
Sei que tudo o que eu queria
Deixei tudo o que eu queria
Porque não me deixei tentar
Vivê-la feliz
Sei que tudo o que eu queria
Deixei tudo o que eu queria
Porque no me dejo
Tratar de ser la feliz
Porque la deje
¿Por que la deje?
No sé
Solo sé que se me fue

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Arquétipo ou estereótipo? Gabriela (de Jorge Amado), Carla Perez e Geyse Arruda


Muita gente ouviu a frase: “morena cravo e canela”. Mas penso que hoje em dia, a frase não seja muito comum no cenário brasileiro.  Há quem diga que o perfeito arquétipo da mulher brasileira seja a Gabriela do saudoso escritor Jorge Amado. Porém, analisando o meio social e midiático brasileiro é interessante voltar à questão do estereotipo ou do arquétipo da mulher tupiniquim sobre outro ponto de vista: o das bonecas em série.
Já em meados dos anos 80 Gilberto Freire percebeu nas mulheres brasileiras o que ele chamou de “macaqueação” ou cópia de modelos estrangeiros. O que se via na televisão era uma chuva de imagens vendendo tanto na publicidade, como nas novelas o que era beleza. Uma escrava quando tinha que ser bonita era branca. Ocorreu o que ele chamou de “impacto norte-europeizante ou albinizante”.
            Atualmente, o modelo mudou para algo mais “corporal” mesmo assim continua sendo “menos brasileiro”. A antropóloga Mirian Goldenberg estudou o fenômeno dando-lhe o nome de “Corpo como capital”. O estudo, bastante estruturado e bem fundamentado em Bourdieu mostra como os brasileiros lidam mal com o envelhecer. E isso é mais visível nas mulheres que precisam manter seu “capital corpóreo” em cima, pois sem ele, julgam impossível conquistar o sexo oposto.
            O movimento brasileiro, muitas vezes vai à contra mão do modelo europeu onde se cultiva a beleza, a saúde e cultura como capital para toda vida e própria satisfação. Quando se põe a sedução como fator corporal, se fica na mão do outro (para que te veja como gostos(o)a, etc..) pois se julga menos interessantes ao sexo oposto.
            Um fenômeno interessante aconteceu no Brasil. Carla Perez foi convidada a ser a capa da revista time com a legenda: “The plastic surgery craze: latin american women are sculping their bodies as never before – along California lines. Is this cultural imperialism?”. É sabido que tal bailarina mudou totalmente seu corpo e imagem com cirurgias e procedimentos. Não poupou Real (gastou mais de 28 mil) e  foi copiada por muitas brasileiras.
         Recentemente em uma pesquisa realizada pela instituição Data Popular sobre qual o corpo mais desejado, comprovou que 59% das mulheres preferem o corpo da a ex-garota-Uniban Geyse Arruda. O curioso é que ganhou o primeiro lugar em uma pesquisa em que as opções eram Ela, Giselle Bündchen e Juliana Paes (a nova Gabriela da série baseada no livro de Jorge Amado e possível arquétipo brasileiro). Uma rápida pesquisa sobre ela e sua relação com o corpo diz que fez: tirou 5 litros de gordura dos joelhos, coxas, bumbum, abdômen, costas e braços, e colocou 435 ml de silicone em cada seio, numa operação avaliada em mais de R$ 16 mil reais.  Detalhe: quando Geyse foi a primeira vez ao cirurgião levou uma foto de Carla Perez. Creio que a “macaqueação” dita por Gilberto Freire ficou completa. 

 

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sábado, 1 de setembro de 2012

Ir ao Sebo: Interesse sobre Mitologia e Arquétipos


1-    1- He - A Chave do Entendimento da Psicologia Masculina – “A mitologia reflete os vários processos espirituais e psicológicos que se desenrolam na psique humana." Para Jung, os mitos fazem sentido para todos porque representam, de forma alegórica, os arquétipos (padrões de vida universalmente reconhecidos). Esse é o último da minha coleção: We, She e agora He.

2-    2 - "Como tornar-se doente mental", de J.L. Pio Abreu.

3-    3- O casamento do Sol com a Lua:  RAISSA CAVALCANTI – Utiliza a tipologia do feminino e a natureza lunar para descortinar na mitologia ancestral a história do feminino e masculino.

4-    4- Mude! - Michael Heppell