sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Tristão e Isolda - Mito que deu origem ao amor romântico na cultura ocidental



A história de Tristão e Isolda é um dos contos mais populares da Idade Média. Como a maioria dos contos arturianos, ele caiu na obscuridade durante a Renascença e foi ressuscitado com vigor durante o século 19. Para muita gente esta é uma história de amor absoluto e perfeito; a combinação de tragédia e destino apenas serve para torná-la mais fascinante.

O rei Rivalin de Lyonesse casa-se com Blanchefleur, irmã do Rei Mark de Cornwall numa justa de amor. Blanchefleur morre no parto e o nome Tristão representa essa perda (vem do francês triste). Ele é educado por um tutor que se torna seu melhor amigo e, juntos, eles viajam para a corte do tio de Tristão, o rei Mark de Cornwall (ou Cornualha). Tristão disfarça sua identidade e tenta distinguir-se através da luta, tocando harpa e na caça. Ele aceita o desafio de lutar contra Morholt que chegara exigindo tributo do rei Mark para o rei da Irlanda, Anguish, pai de Isolda.

Após uma longa batalha, Tristão derrota Morholt. Mas por causa das armas deste estarem envenenadas, as feridas de Tristão não cicatrizam. Ele viaja para a Irlanda, procurando uma cura para o veneno. Se disfarça sob o nome de Tantris e recupera-se lentamente sob os cuidados de Isolda. Ele então retorna à Cornwall - exaltando a linda Isolda que o trouxera novamente à saúde. O rei Mark deseja que Isolda seja trazida para ele para ser sua esposa baseado na exuberante narrativa de Tristão.

Entrementes, um dragão assola o reino de Anguish. Ele oferece a mão de Isolda em casamento ao cavaleiro que matar o dragão. Tristão viaja à Irlanda para matar o dragão e ganhar a mão de Isolda para o rei Mark. Ele realmente acaba com a besta mas é dominado pelas fumaças venenosas expelidas por ela. O camareiro do rei Anguish apresenta então a cabeça do dragão, proclamando que ele havia derrotado o monstro. Isolda sabe que isto não é verdade e despreza o camareiro, indo assim à procura do verdadeiro matador. Ela encontra Tristão e novamente lhe devolve a saúde.

É durante este tempo que Isolda percebe que está faltando um pedaço da espada de Tristão. Ela tem um pedaço da espada que matou Morholt - seu tio - e que fora removida de sua cabeça quebrada. Ela encaixa esse pedaço no espaço da espada de Tristão e deduz que ele é o assassino de Morholt. Embora ela fique furiosa com Tristão pela morte de seu tio, ela precisa deixá-lo viver para refutar a reivindicação do camareiro à sua mão.

Tristão cura-se e reclama a mão de Isolda para Mark. Ela ainda está furiosa mas precisa viajar com ele para Cornwall. Durante a viagem, ela pede à sua aia, Brangwain, que faça uma poção para envenenar Tristão. A aia ainda deduz que Isolda pretende beber a poção também de modo a acabar o iminente casamento com Mark. Além disso, Brangwain está apaixonada por Tristão e não o quer morto. Portanto, ela prepara uma poção de amor ao invés de uma poção fatal.

O casal, Tristão e Isolda, bebe a poção e apaixona-se para sempre. Eles consumam seu amor no barco, naquela noite. Uma vez em Cornwall, Isolda deve passar pelo casamento e então precisa disfarçar a perda de sua virgindade. Ela persuade Brangwain a dormir com Mark - sacrificando portanto a própria virgindade. Isto marca o primeiro dos logros que os amantes usarão para enganar Mark.

Mas a corte de Mark está repleta de cortesãos traiçoeiros e invejosos. Eles tentam e tentam apanhar Isolda e Tristão em situações comprometedoras. Eventualmente eles conseguem e os amantes são condenados à morte. Tristão se empenha em fugir. Ele resgata Isolda de um grupo de leprosos ao qual ela havia sido entregue como punição. Ela então jura em falso num  tribunal probatório mas é banida com Tristão. Ambos fogem para a floresta para viver em exílio.

A vida na floresta é muito difícil e eventualmente os dois decidem se separar. Isolda retorna à corte de Mark e Tristão parte pro exílio. Durante as suas perambulações ele chega à bretã corte do rei Howell. Tristão presta a este grandes serviços, acabando por ganhar a mão de sua filha. Ele concorda em casar com ela porque seu nome também é Isolda, Isolda das Brancas Mãos. Todavia ele não consuma o casamento porque seu amor à verdadeira Isolda é muito forte.

Tristão ajuda seu cunhado, Kaherdin, numa batalha e é envenenado - de novo! Ele roga à verdadeira Isolda que o cure, sabendo que apenas ela tem o poder para fazer isso. Mas quando o navio fica à vista, Tristão está muito doente para deixar o leito e pede à Isolda das Brancas Mãos para informá-lo da cor das velas. Sabendo que as velas brancas anunciam a presença a bordo de Isolda da Irlanda, sua rival, Isolda das Brancas Mãos informa que as velas são pretas, significando que Isolda não está no navio. Tristão morre em desespero.

Quando Isolda da Irlanda chega ao quarto e depara-se com seu amante morto, ela também morre de tristeza. Ambos são enterrados lado a lado. Na cova de Tristão nasce uma videira e na de Isolda, uma rosa. As duas plantas se entrelaçam e crescem juntas como um símbolo do seu ardente amor.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Kairos e Chronos: a percepção de tempo I



Kairos era o filho caçula de Zeus (algumas versões dizem de Chonos), jovem atlético e de extrema beleza, e que se movia muito rápido, pois portava asas nos ombros e nos pés. Usava cabeça raspada, deixando apenas um belo tufo de cabelo na testa, e a razão para isso é que as pessoas só podiam agarrá-lo pela frente, pegando no tufo de cabelo. Ele era tão rápido que sequer Zeus conseguia pegá-lo depois que tivesse passado.







Na estrutura temporal da civilização moderna, geralmente se emprega uma só palavra para significar o "tempo". Os gregos antigos tinham duas palavras para o tempo: khronos e kairos. Enquanto o primeiro refere-se ao tempo cronológico, ou sequencial o tempo que se mede, esse último é um momento indeterminado no tempo em que algo especial acontece, a experiência do momento oportuno. É usada também em teologia para descrever a forma qualitativa do tempo, o "tempo de Deus", enquanto khronos é de natureza quantitativa, o "tempo dos homens". Então na mitologia grega Chronos é o deus do tempo e das estações, mas ele não era a única referência imaginária que os habitantes da Grécia utilizavam para classificar o tempo, Kairos era a outra. 

Kairos, significando “o momento certo” ou “oportuno”, Kairos opunha-se ao tempo cronológico, este tempo sequencial que medimos por quantidades: em dias, números e horas. Kairos corresponde ao tempo existencial, à qualidade da experiência vivida e, nesse sentido, equivale a um momento indeterminado no tempo em que algo especial acontece.

Bem, o que quero dizer com isso? Existem várias maneiras de se vivenciar os acontecimentos na vida. Tem pessoas muito apegadas ao tempo, aos protocolos, planejam tudo. Este domínio de Chronos pode escravizar, engessando a vida numa busca incessante por controle. A supremacia do tempo cronológico na regulação da experiência pode nos tornar temerosos a tudo que foge à ordem pré-estabelecida. Mais do que isso, ao priorizarmos Chronos em nossa consciência, corremos o risco de sufocar o potencial psicológico de kairos no inconsciente, negando à mente o espaço necessário para a fruição com o que não é planejado. 

Dominada pelo modelo temporal de Chronos, nossa vida não se beneficia do contraponto adaptativo de Kairos, deixa de ser um instrumento de integração ao ciclo da vida. Esse desequilíbrio perceptivo nos leva a temer o fluxo temporal que assinala a experiência biológica e nos prepara física e emocionalmente para os diversos papeis que devemos representar no decorrer da existência. Assim, quando relegamos Kairos ao obscurantismo da inconsciência, Cronos emerge apenas como o ceifador terrível, aquele que nos rouba o tempo de viver devorando os dias e as experiências neles vividas. 

A dominância de Chronos não apenas nos rouba a confiança na capacidade de adaptação ao desconhecido e inesperado, ela também nos rouba o sentimento de que os eventos da vida, por mais inusitados que sejam, atendem a um propósito, a um sentido e a um significado que faz com que a nossa história seja a expressão do um destino individual. Por essa razão os pitagóricos, que explicavam todo o Universo por relações numéricas, identificavam Kairos como o número sete e o chamavam Oportunidade. Por que? Porque Pitágoras dizia que o sete carrega a vibração que propicia toda criação; vibração essa que provocou a  descontinuidade entre o Nada (contínuo) e o Universo Criado. 

Analogamente, Kairos provoca uma descontinuidade nesse tempo burocrático de Chronos, propiciando-nos ocasiões diversas, mas a realização de um tempo especial, significativo fica por nossa conta. Afinal, somos os protagonistas de nossa própria história - Kairos precisa ser pego de frente pelo tufo de cabelo, lembra? Depois, o momento propício passa.


Fontes:

grupopapeando
viveredevanear
somostodosum

Encerrando ciclos


Por: Fernando Pessoa

Sempre é preciso saber quando uma etapa chega ao final...
Se insistirmos em permanecer nela mais do que o tempo necessário, perdemos a alegria e o sentido das outras etapas que precisamos viver.
Encerrando ciclos, fechando portas, terminando capítulos. Não importa o nome que damos, o que importa é deixar no passado os momentos da vida que já se acabaram.
Foi despedida do trabalho? Terminou uma relação? Deixou a casa dos pais? Partiu para viver em outro país? A amizade tão longamente cultivada desapareceu sem explicações? 
Você pode passar muito tempo se perguntando por que isso aconteceu....
Pode dizer para si mesmo que não dará mais um passo enquanto não entender as razões que levaram certas coisas, que eram tão importantes e sólidas em sua vida, serem subitamente transformadas em pó. Mas tal atitude será um desgaste imenso para todos: seus pais, seus amigos, seus filhos, seus irmãos, todos estarão encerrando capítulos, virando a folha, seguindo adiante, e todos sofrerão ao ver que você está parado. 
Ninguém pode estar ao mesmo tempo no presente e no passado, nem mesmo quando tentamos entender as coisas que acontecem conosco. 
O que passou não voltará: não podemos ser eternamente meninos, adolescentes tardios, filhos que se sentem culpados ou rancorosos com os pais, amantes que revivem noite e dia uma ligação com quem já foi embora e não tem a menor intenção de voltar. 
As coisas passam, e o melhor que fazemos é deixar que elas realmente possam ir embora...
Por isso é tão importante (por mais doloroso que seja!) destruir recordações, mudar de casa, dar muitas coisas para orfanatos, vender ou doar os livros que tem. 
Tudo neste mundo visível é uma manifestação do mundo invisível, do que está acontecendo em nosso coração... e o desfazer-se de certas lembranças significa também abrir espaço para que outras tomem o seu lugar.
Deixar ir embora. Soltar. Desprender-se. 
Ninguém está jogando nesta vida com cartas marcadas, portanto às vezes ganhamos, e às vezes perdemos.
Não espere que devolvam algo, não espere que reconheçam seu esforço, que descubram seu gênio, que entendam seu amor. Pare de ligar sua televisão emocional e assistir sempre ao mesmo programa, que mostra como você sofreu com determinada perda: isso o estará apenas envenenando, e nada mais. 
Não há nada mais perigoso que rompimentos amorosos que não são aceitos, promessas de emprego que não têm data marcada para começar, decisões que sempre são adiadas em nome do "momento ideal". 
Antes de começar um capítulo novo, é preciso terminar o antigo: diga a si mesmo que o que passou, jamais voltará!
Lembre-se de que houve uma época em que podia viver sem aquilo, sem aquela pessoa - nada é insubstituível, um hábito não é uma necessidade.
Pode parecer óbvio, pode mesmo ser difícil, mas é muito importante.

Encerrando ciclos. Não por causa do orgulho, por incapacidade, ou por soberba, mas porque simplesmente aquilo já não se encaixa mais na sua vida.
Feche a porta, mude o disco, limpe a casa, sacuda a poeira. Deixe de ser quem era, e se transforme em quem é. Torna-te uma pessoa melhor e assegura-te de que sabes bem quem és tu próprio, antes de conheceres alguém e de esperares que ele veja quem tu és..
E lembra-te:
Tudo o que chega, chega sempre por alguma razão.

domingo, 9 de dezembro de 2012

Eros histérico: você é ou se apaixonou por um sedutor indeciso?




Em julho desse ano eu escrevi uma matéria para o blog Apenas mulheres de verdade. Eu ainda não tinha um blog e estava ansiosa para escrever sobre as estruturas psicológicas nos relacionamentos. Na época usei o pseudônimo de Senhorita Patinete porque foi a primeira foto que eu vi quando ela me perguntou que nome eu usaria. Recentemente, vi muitos blogs usando trechos ou postando o texto inteiro sem citar a fonte do AMDV. Então resolvi eu mesma compartilhar o texto com meus leitores do Caminho da deusa. Quero deixar uma observação: existem homens e mulheres histéricos, mas naquele momento a nossa ideia era falar às mulheres os encantos e perigos de um homem histérico.


Encantos e perigos de um homem histérico



    Pensem no seguinte estereótipo masculino: seguro, frio, corajoso e provedor. Façam ainda outro exercício mental e pensem em um homem do tipo vaidoso que se preocupa com a forma física, com os cabelos, com as roupas e dá valor exacerbado à carreira. Alguns, ainda, superam a preocupação físico-material e apresentam uma maneira de ver o mundo de vanguarda sendo homens de cultura admirável. Alguns dos homens com essas características apresentam o estereótipo histérico de personalidade.

   No início da psicanálise, a histeria masculina foi questionada, pois a histeria era mais estudada em mulheres em função da falta do falo. “Contudo, os homens são, com mais frequência do que reconhecemos, histéricos. Observamos, na atualidade, a acentuada presença da histeria masculina, como no caso do don juanismo”.

    Propomos chamar o homem do nosso texto de Eros histérico. 
   E quem é esse homem? É o tipo de cara que vocês devem ter conhecido pelo seguinte motivo: alguns são “Don Juans” incuráveis, outros não permanecem em um relacionamento por muito tempo, outros costumam manter relacionamentos infelizes e testam seu poder de sedução de maneira discreta, mas despudorada. Eles apresentam-se de várias maneiras e podem até disfarçar-se bem. Mas todos têm algo em comum: são extremamente sexuais e sedutores.


Apenas mulheres de verdade
    Na histeria, o desejo é sempre insatisfeito, o histérico recusa o gozo para manter o desejo insatisfeito com o gozo da privação. É do tipo “não ata nem desata” assim sendo, o histérico: “se oferece e se guarda, oferece e se furta, provoca e escapole”. 

   Eros Histérico não quer desfrutar uma boa transa ou bom relacionamento. Quando casados, projetam na mulher a imagem da mãe e perdem todo o interesse sexual por ela. Assim, o combustível do histérico é a sedução. Tendo mulher ou mulheres para envolver-se, mantêm seu impulso sexual aceso. O importante é que nem sempre concretizam o ato sexual em si, pois, como citado antes, o histérico recusa o gozo.

    Segundo o psicólogo suíço Carl Gustav Jung, “Don-juan tem um complexo materno, isto é, não se libertou da mãe e procura sua imagem em todas as mulheres, nunca encontrando. A origem do comportamento estaria na adolescência. Nessa fase é natural que o filho se torne agressivo com a mãe, pois precisa se separar, ter a própria identidade. Se ela tenta mantê-lo calmo e fraco, realizando todos os seus desejos, acaba por dificultar a necessária separação, que o tornaria um homem mais forte e capaz de amar outras mulheres. Impossibilitado de se libertar, o rapaz pode se tornar um dom-juan.”

    Eros histérico é sexual evitando vinculo próximo com quem seduz, pois o jogo da sedução é mais valioso do que o ato sexual em si. Na vida social, Eros histérico tem necessidade de ser aceito, pois, subjetivamente (mesmo que não tenha a consciência disso) acredita que não foi amado. Em algum momento da vida, Eros foi rejeitado e lidou muito mal com o desprezo. Agora necessita da garantia que é amado por alguém e por isso faz o tipo de jogo da “não decisão de vida”.

   Quando Eros tem uma esposa ou namorada é muito carinhoso com ela para disfarçar a característica sedutora. Eros, porém “é um ser insatisfeito, está à mercê do outro. Ele está em recusa do desejo. A cada mulher ele é obrigado a dar exatamente o que ela reclama: ele não tem o direito de errar. Sua pretensa sedução é a docilidade”. E o fato de seduzir outras mulheres não está ligado ao fato de concretizar um relacionamento ou um ato sexual em si, talvez o que Renato Russo chama de "sexo verbal" ou o popular “flerte”.

   Eros pode tender para o traidor inveterado para formar vínculo e para não se mostrar dependente. Outro fator relevante para Eros é mostrar ao mundo o quão “garanhão” pode ser. “Acabam arrumando não uma, mas várias amantes para não se sentirem presos ou dominados por nenhuma. O medo de se tornarem dependentes, como foram da mãe, faz com que agridam suas mulheres de forma cruel, traindo ou abandonando”.

    E quem são as mulheres que entram no jogo do Eros Histérico, seja ele comprometido ou solteiro? Seriam elas vítimas? Essa discussão daria outro texto e não é esse o objetivo no momento. Mas o que se pode dizer é que têm mulheres e mulheres.

    Para as que são casadas e mantêm um perfil também histérico, em princípio isso parece interessante, porém é uma pseudo-relação doente. Eros e a figura objeto de sua sedução ficariam ambos na situação de “masturbação mental”. Ambos precisam de ajuda profissional. A dualidade de vida não é saudável e podem ficar dessa maneira por uma eternidade. “Don Juan é um errante no amor, uma vez que amar remete à castração (um não terá e não será o que falta ao outro), faz defrontar-se com um outro desejante, distinto, com as diferenças e o respeito à alteridade”. 

   Eros precisa de uma aprovação externa da sua masculinidade senão toda estrutura necessária para provar sua virilidade desmonta. Eros histérico teme o amor porque“Amar, é dar o que não se tem", cita Lacan. “Amar é reconhecer sua falta e doá-la ao outro, colocá-la no outro. Não é dar o que se tem, os bens, os presentes: é dar algo que não se possui, que vai além de si mesmo. Para isso, é necessário se assegurar de sua falta, de sua "castração", como escreveu Freud.”

    Eros quando solteiro foge diante de um possível relacionamento profundo. Mas gosta de manter uma mulher apaixonada sem assumi-la (pela necessidade da certeza de ser amado). Eros histérico continua freneticamente seu jogo de sedução, porém, finalizada a sedução ele não sabe mais o que fazer, ali entra em territórios desconhecidos. Evita um vínculo mais sólido porque seria deparar-se com a sua impotência diante de algo ou de uma situação e dessa forma fica evidenciado aquilo que poderia ter sido e não foi: o verdadeiro homem.

    É importante dizer que as dificuldades de Eros Histérico diante de vínculos duradouros e emoções não são apenas reflexos do que nós carinhosamente chamamos "crápula ou cafajeste” é algo da sua estrutura psíquica. E isso quer dizer que apesar de toda encenação de força e virilidade, por dentro Eros histérico é um homem frágil, muitas vezes incapaz de formar um vínculo e comandar subjetivamente e o eixo de sua vida cheia do tédio que ele tenta dissipar com o ato da sedução.

   Você conhece alguém com esse perfil? Considera-no um "vilão"? Conte pra gente nos comentários. 

Referências: 

SOUZA, Danielle A. Psicanálise & Barroco em revista v. 9, n.1: 115-125 jul.2011. 
QUINET, A. A lição de Charcot. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. 
BRANCO, Leniza Castelo. Caras, São Paulo: Editora Abril, 2012. 
MILLER, J.A. O Amor e a psicanálise Disponível na Internet <http://www.psicologiamsn.com/2011/12/amor-psicanalise-alain-miller.html>acessado em 4 de julho de 2012.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Arquétipo Tântalo - Tão perto e ainda assim, tão longe


 Luciene Félix

"Vanitas vanitatum et omnia vanitas" (Vaidade das vaidades, tudo é vaidade). Quem mais legou textos sobre a vaidade foi Eclesiastes ("O Pregador"). Presume-se que tenham sido escritos (originalmente em hebraico ou aramaico) pelo Rei Salomão.

 Não é de hoje que o homem aspira a mais perfeita e elevada purificação. Como outrora, religiosos ferrenhamente devotados empreendem uma luta interior buscando alcançar o olimpo, atingir o nirvana ou vivenciar o paraíso na terra. 
O mito grego do rei Tântalo desvela a ambição de um mortal que, não satisfeito em ser notoriamente o "predileto dos deuses", almeja transmutar-se num "deus" propriamente, incorrendo num erro brutal.

Apontando a hýbris (desmedida) em Tântalo, na obra intitulada "O simbolismo na mitologia grega", o renomado estudioso francês Paul Diel, afirma que: "Afoito por sua conquista e esquecido de sua condição mortal e seus limites, Tântalo chega a se exaltar com tal intensidade que lhe sobrevém a tentação de querer se tornar um igual entre as divindades, puros símbolos do espírito".

A fim de obtermos maior clareza sobre esse latente desejo humano e de sua possível perversão, descortinemos o mito legado pelo premiadíssimo tragediógrafo Ésquilo (524-456 a.C.).

A desfrutar néctar e ambrosia, Tântalo, o próspero e abençoado rei de Corinto, justo e bem quisto, torna-se o único mortal admitido à mesa dos olímpicos. A consciência dessa distintiva predileção acaba por enredá-lo numa vaidosa e desvairada grandiosidade imaginativa.

Presunçoso, no afã de confirmar seu estatuto de "igual" entre os deuses, Tântalo convida a todos do Panteão para um banquete em seu palácio e, pondo em teste a onisciência divina, lhes oferece o alimento terrestre sob sua forma mais abjeta: a carne de seu próprio filho, Pélops.

Servir essa funesta iguaria, fruto de sua obsessão doentia, simboliza a maior perversão empreendida por um mortal. Eis que os deuses são mesmo oniscientes, reconhecem a blasfêmia e, horrorizados, repudiam a ofensiva dádiva. Somente a deusa Deméter, da agricultura, perturbadíssima com o recente desaparecimento da filha Perséfone (Prosérpina ou Kore para os romanos), desatentamente ingere um pedacinho da carne.

Malsucedido, Tântalo nem se igualou aos deuses, nem os rebaixou a seu nível, pois Zeus, o soberano do Olimpo, restaurador da ordem, ressuscita Pélops reconstituindo o pedaço faltante do ombro por mármore (daí "hamartía", a marca) e delibera sobre qual seria o pior castigo para o herege. O menino fora poupado, mas a maldição lançada aos descendentes da Casa de Atreu (cujo expoente será o ganancioso rei atrida Agamêmnon), como a "marca do pecado original" legado no mito de Adão e Eva, trazemos todos até hoje: a eterna insatisfação.

A condenação pelo veredicto dos deuses, pela "lei psíquica", ilustra a justiça inerente a todos nós. É na perturbação oriunda do conflito interior da psyché (alma) humana que as divindades tornam-se expressões simbólicas da legalidade essencial da vida e de sua necessidade de fazer justiça.

A santidade idealizada e perseguida em ciclos míticos como o hindu, o islâmico e o cristão, por exemplo, é justa. Almejar, no entanto, a santidade absoluta, esquecendo-se da condição humana, é irrealizável. Mais ainda, uma ambição dessa magnitude constitui evidente desmedida (hýbris), caso de Tântalo.

Paul Diel, afirma que: "Justamente em razão dos gregos não terem alcançado a visão clara e mais elevada do ideal simbolicamente expresso pelo mito cristão, é que [neles] o desejo de purificação perfeita só pôde ser visto sob seu aspecto negativo; o perigo de uma superexcitação doentia da esfera espiritual". A visão mítica dos gregos nos "adverte contra esse perigo exprimindo unicamente o medo de ver rompida a harmonia das pulsões e perder a justa medida".

Para outras formas de re-ligação (religião), o santo, o homem simbolicamente divinizado, "ungido" pelo "deus", venceu todos os desejos da matéria, tanto no nível das inquietações físicas quanto no nível da imaginação exaltada e, tendo-os dissolvido, ele não é mais afetado por nenhuma tentação. Como Sidarta Gautama, o Buda, transcende a tudo e a todos.

Ao que Tântalo almeja, tornar-se também um deus, o grego impõe interdito. O ideal de santidade proposto pela doutrina cristã caracteriza um passo evolutivo que transpõe os marcos da cultura pagã. O interdito é esse: a carne se fazer espírito, o homem tornar-se deus. A correção é essa: o Espírito faz-se carne, Deus faz-se homem.

Desse modo, o indivíduo que busca a verdadeira santidade dispõe de toda energia de seus desejos, subtraindo-se ao mundo em relação ao qual ele nada mais deseja e, precisamente por haver-se assim libertado das múltiplas ligações afetivas, permanece unido ao mundo graças a vínculos mais intensos: o amor (caritas), a bondade e a compaixão, como o judeu Jesus.

Professora de Filosofia e Mitologia Grega da Escola Superior de Direito Constitucional

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Destruir para construir: arquétipo Shiva e Ganesha


Ganesha pertence à família dos deuses mais populares do Hinduísmo. Ele é o primogênito de Shiva e Parvati. Shiva é a terceira pessoa da trindade hindu. É o Deus da renovação, destrói para construir algo novo (transformação). Ele é o criador da Yoga. Parvati é a filha dos Himalayas. Deusa da beleza, mãe bondosa e mulher devotada. Shiva tem alma aventureira e adora viajar montado em sua vaca branca Nandi. Os lugares que ele mais gosta são montanhas inacessíveis e perigosas. Adora também os crematórios, mas sua paixão é a meditação e a Yoga. Quando pratica a Yoga, nem mesmo um terremoto o perturba.
Por algum tempo depois de seu casamento com a bela Parvati, vivendo em um bangalô no Himalaya, longe da civilização, Shiva começava a sentir falta de suas viagens; foi quando Parvati, já desconfiada, pergunta-lhe:
- Shiva, por que não viaja por uns tempos? Não sente saudades dos seus companheiros?
- É que quando estou perto de você, não sinto falta de nada. E, na verdade, todos os meus companheiros estão em torno da casa, eles nunca se afastam de mim. Eu não quero assustá-la, mas todos os fantasmas, demônios e gnomos, apesar de estarem invisíveis e quietos, estão presentes. Espero apenas que não me faça o pedido para mandá-los embora, pois são como crianças e eles sabem o quanto te amo.
- Claro que não Shiva, podem ficar. Mas e a sua meditação? Ela era sua maior ocupação.
Shiva, no fundo, sabia que ela estava certa e que tinha muita saudade das montanhas, onde sentava para meditar. E sabia que fora através da meditação que conseguiu se transformar em um Deus tão poderoso. Shiva então, depois de uma longa conversa, decidiu sair para meditar. Feliz, Shiva coloca sua pele de tigre na cintura, enrola suas cobras favoritas no pescoço, apanha seu tridente e sai montado em sua vaca, Nandi, seguido de seus estranhos companheiros. Mas não podemos nos esquecer que quando Shiva medita, é impossível despertá-lo. E muito tempo se passou.
Quando finalmente Shiva se levantou da posição de lótus, lembrou-se de sua Parvati e correu de volta para ela. Nesse ínterim, Parvati transformara aquela simples choupana num lugar muito confortável e bonito. E nem ficou sozinha por muito tempo. Shiva não sabia, mas a tinha deixado grávida. E no tempo certo, deu à luz um lindo bebê, Ganapati.
Os anos passaram-se, o deus bebê cresceu e se transformou num rapazinho muito inteligente. Numa manhã de primavera, Parvati estava tomando banho enquanto Ganapati mantinha-se perto do portão, aguardando sua mãe. Neste instante um homem alto, com cabelos longos, um monte de cobras enroladas em seu pescoço e vestido com uma pele de tigre e uma aparência selvagem, aproxima-se do portão.
Shiva parou e olhou com estranheza para o bangalô. "Será que esta casa linda era mesmo a sua? E quem seria aquele rapaz parado no portão?"
- Deixe-me entrar! Disse Shiva impaciente e descortês.
- Não.  Respondeu Ganapati
- Você não pode entrar!
Empurrando o rapaz para o lado, Shiva atravessou o jardim e foi direto para casa. Ganapati sabia que sua mãe estava tomando banho e aquele homem rude não poderia entrar em sua casa. Ele correu e se postou a porta de espada em punho. Pobre menino! Que hora mais infeliz para provocar a ira do pai! E Shiva, nesse momento, perdeu completamente as estribeiras e seu terceiro olho, o do poder, apareceu no meio de sua testa, brilhando como fogo e em segundos o corpo do rapaz jazia sem cabeça no chão.
Ouvindo vozes e gritos, Parvati apressou-se e saiu correndo do banho. Ao abrir a porta viu horrorizada o corpo do filho estendido sem cabeça; e em sua frente o marido que há tanto se fazia ausente. Shiva corre para abraçá-la; e ela desviando-se do abraço chora amargamente.
- Mas o que você fez? O que você fez? Ela repetia, torcendo as mãos em desespero.  Este era o seu filho, e você o destruiu!
Só então Shiva caiu em si e se entristeceu de verdade. Logo tentou confortá-la:
- Nosso filho é um Deus; portanto, não pode estar morto. Encontra-se apenas desmaiado.
Mas Parvati não queria ouvir nada daquilo e lhe disse:
- Você o destruiu! De que serve um Deus sem cabeça?
Shiva tentou da melhor forma que podia dizer-lhe que não tinha feito nenhum mal ao rapaz. Parvati insistia com Shiva para que ele colocasse a cabeça de seu filho no lugar, mas Shiva dizia que não podia desfazer o que já estava feito. E Parvati chorava muito. Então Shiva teve uma ideia: capturar o primeiro animal que encontrasse e tirar sua cabeça para colocá-la sobre os ombros de seu filho. Foi quando encontrou um elefantinho bebê, tirou sua cabeça e a colocou em Ganapati e naquele momento, o nome do rapaz passou a ser Ganesha. Parvati tentou de diversas formas mudar o acontecido e pedia para outros Deuses que dessem ao seu filho uma cabeça decente.
Então os deuses pediram à linda Parvati que secasse suas lágrimas e tudo se resolveria. Brahma, que adora as crianças, Vishnu e Indra pediram à Parvati que perdoasse Shiva, pois ele não sabia o que estava fazendo e deixaram bem claro que Ganesha não perderia nada com isso. Apesar de não ser mais tão atraente, todos o reconheceriam pela sua bondade e o amariam pelo que ele era. Brahma prossegue:
- Ganesha será o Deus da sabedoria, será o Escrivão dos céus e o Deus da literatura. Vishnu acrescenta:
- Será o Deus que removerá todos os obstáculos e será para Ganesha que todos rezarão em primeiro lugar, antes de invocar qualquer outro Deus. Será o Deus que sorrirá com boa fortuna para todas as empresas novas.
E é assim que tudo aconteceu.

Arquétipo Ganesha



Como todas as lendas encerram dentro de si um significado maior, vamos descobrir a simbologia da história de Ganesha. Primeiro, a história mostra que Ganesha tem um corpo físico gerado por Parvati, símbolo da matéria perecível, ou seja, que é como humano. Mostra também que ele "não conhece" o pai (Shiva, a Realidade Suprema). Quando Parvati solicita sua proteção ele a obedece incondicionalmente (cuida da matéria, é apegado a ela). Quando seu pai "chega", luta com ele (não quer perder a individualidade), não o reconhece, mas luta com bravura, quer cumprir o seu dever. O pai admira sua coragem, mas, não podendo deixá-lo vencer, corta sua cabeça (o ego, a mente, a arrogância) e ele "morre". Parvati, zangada com a "morte" do filho, mostra a matéria não querendo perder seu "nome e forma". Shiva coloca uma "nova cabeça" no filho, que renasce pelas mãos de Shiva, nascendo do Supremo. Parvati, ficando contente com as promessas de Shiva de que seu filho será reverenciado no início dos rituais e cerimônias e antes de qualquer empreendimento, mostra que a "perda" da individualidade é o ganho do Absoluto, da Plenitude. O sábio vence todos os obstáculos e depois "morre", "perde a cabeça", para ganhar uma "nova" dada por Shiva, o Absoluto.


Uma música linda para vocês

Referencias
omganesha.kit.net
creatiblogs.pt

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Lojas Marisa e beleza. Tudo vale a pena?







A rede varejista de roupas Marisa fez essa propaganda que eu considero um desserviço às Mulheres. De vez em quando retorno ao assunto da padronização e do sofrimento das mulheres no mundo em prol de uma beleza que não é a sua. Cada mulher é individual, cada uma traz em si a história e a beleza que são contadas em cada pedaço de seu físico, de suas emoções e de sua alma.
Não vejo problemas em se saber das novidades estéticas, dos cheiros, da boa comida, dos exercícios físicos. Vejo com bons olhos a busca pela beleza e harmonia visual. As próprias deusas olimpianas valorizavam a beleza, tanto que disputaram-na no episódio do "pomo da discórdia". 
Quero dizer que não faço apologia à gordura, não conheço uma mulher gorda satisfeita, logo não vou dizer que é uma coisa normal e tranquila. O problema de comerciais como esse é que eles propagam a coisa certa de maneira errada. Não considero errado preparar-se para o verão, tão pouco cuidar da alimentação. O problema é que a pessoa tomou papel secundário em sua própria vida em prol de usar uma peça de roupa. Privou-se de viver durante o ano, fazendo com que sua alimentação fosse "infeliz" como ela mesma citou. 
Quem disse que preparar-se para o verão é uma coisa necessariamente infeliz? Sopas não precisam ser ralas, ficar bela não precisa ser dolorido. 


Por fim, achei esse texto na Internet mas não encontrei o autor, mas é de muita sensibilidade:



...O corpo muda… cresce. Não podem pensar, sem ficarem psicóticas que podem entrar no mesmo vestido que usavam aos 18.




Entretanto uma mulher de 36, na qual entre a roupa que usou aos 18 anos, ou tem problemas de desenvolvimento ou está se auto-destruindo. Nós gostamos das mulheres que sabem conduzir sua vida com equilíbrio e sabem controlar sua natural tendência a culpas. Ou seja, aquela que quando tem que comer, come com vontade (a dieta virá em setembro, não antes; quando tem que fazer dieta, faz dieta com vontade não se saboteia e não sofre); quando tem que ter intimidade com o parceiro, tem com vontade; quando tem que comprar algo que goste, compra; quando tem que economizar, economiza.


Algumas linhas no rosto, algumas cicatrizes no ventre, algumas marcas de estrias não lhes tira a beleza. São feridas de guerra, testemunhas de que fizeram algo em suas vidas, não tiveram anos ‘em formol’ nem em spa… viveram!


O corpo da mulher é a prova de que Deus existe. É o sagrado recinto da gestação de todos os homens, onde foram alimentados, ninados e nós, sem querer, as enchemos de estrias, de cesárias e demais coisas que tiveram que acontecer para estarmos vivos.


Cuidem-no! Cuidem-se! Amem-se! A beleza é tudo isto. Tudo junto!

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Apolo e Dafne



Apolo era considerado um ás da pontaria, desde que abatera a serpente Tifão, a fera que perseguira sua mãe, Leto, quando o deus era ainda criança. Um dia Apolo caminhava pela estrada que margeava um grande bosque, quando se encontrou com Eros. O jovem deus, filho de Afrodite, estava treinando a sua pontaria, solitariamente, em cima de uma pedra.

mitologia.huum
Sem ser notado, Apolo parou para observar a postura do jovem. Com um dos pés escorado sobre uma saliência da rocha, o deus do amor procurava ganhar o máximo de equilíbrio para assestar com perfeição a pontaria. Seu braço esticado, que segurava o arco, era firme sem ser demasiado musculoso; o outro, encolhido, segurando a flecha, tinha o cotovelo apontado para suas costelas, enrijecendo o seu bíceps; todo o conjunto, desde o porte até a dignidade dos gestos, demonstrava grande elegância, e mesmo os músculos das pernas pareciam distendidos, como a corda presa às duas extremidades do arco.

Apolo não conseguiu deixar de sentir uma certa inveja diante da graça do seu involuntário rival. Não podendo mais se conter, saiu das sombras e revelou ao deus do amor a sua presença.

— Olá, jovem arqueiro. Treinando novamente a sua pontaria? — disse Apolo, pondo um indisfarçado tom de ironia na voz.

— Sim — disse Eros, sem virar o rosto para o outro. — Quer treinar um pouco, também?

Apolo, imaginando que o outro debochava dele, reagiu com inesperada rudeza:

— Ora, e quem vai me ensinar alguma coisa? Você?

Eros, guardando suas setas, já se preparava para se retirar, quando Apolo o provocou novamente:

— Vamos, treine, treine sempre, garotinho, e um dia chegará a meus pés! — disse o deus solar, com um riso aberto de triunfo.

Eros, no entanto, revoltado com a presunção do deus, sacou de sua aljava duas flechas: uma de ouro e outra de chumbo. Seu plano era acertar em cheio o peito de Apolo, com a primeira flecha.

— Vamos provar agora, um pouco, da minha má pontaria! — disse o deus do amor, mirando o coração de Apolo.

Num segundo a seta partiu, assobiando ao vento e indo cravar-se no alvo com perfeita exatidão. Apolo, sem perceber o que atingira seu peito — pois as flechas do deus do amor tornam-se invisíveis assim que atingem as vítimas —, sentou-se ao solo, abatido por um langor nunca antes sentido.

Mas Eros ainda não estava satisfeito. Por isso, enxergando Dafne, a filha do rio que se banhava no rio Peneu, mirou em seu coração a segunda flecha, a da ponta de chumbo, e a disparou. Enquanto a primeira seta provocava o amor, esta, endereçada a Dafne, provocava a repulsa. Assim, Eros dava início à sua vingança.

— Divirta-se, agora! — disse Eros, sumindo-se no céu com seu arco. Apolo, após recuperar suas forças, ergueu-se e entrou no bosque, como que impelido por alguma atração irresistível. Tão logo atravessou as primeiras árvores, seus olhos caíram sobre a bela ninfa, que secava os cabelos, torcendo-os delicadamente com as mãos.

— Se são belos assim em desalinho, como não serão quando arrumados? -perguntou ele, já bobo de amor.

A ninfa, escutando a voz, voltou-se para o lugar de onde ela partira. Assustada ao ver que aquele homem de louros cabelos a observava atentamente, juntou suas vestes e saiu correndo, mata adentro. Apolo, num salto, ergueu-se também.

— Espere, maravilhosa ninfa, quero falar com você.

Nunca em sua vida Dafne havia sentido tamanha repulsa por alguém como sentia pelo majestoso deus solar. O pior e mais feio dos faunos não lhe parecia no momento mais odioso do que aquele homem que a perseguia com fúria.

— Afaste-se de mim! — gritava Dafne, enojada. Apolo, acostumado a ser perseguido por todas as mulheres, via-se agora repelido de forma tão definitiva.

— Por que foge assim de mim, ninfa encantadora? — dizia, sem compreender. Sem saber como agir diante de uma situação tão inusitada, o desnorteado deus pôs-se a falar de si, da sua beleza tão elogiada por todos, de seus dotes, suas glórias, seus tributos e as infinitas vantagens que Dafne teria em juntar-se a ele, o mais cobiçado dos deuses. Mas o mais belo dos deuses desconhecia um pouco a mentalidade feminina, senão teria falado mais da bela deusa em vez de falar tanto de si próprio.

Ao perceber, porém, que a corrida desenfreada da jovem acabaria por deixá-la extenuada, o deus gritou:

— Espere, diminua o seu passo que diminuirei também o meu! A ninfa, reconhecendo a gentileza de seu perseguidor, diminuiu um pouco o ritmo.

Apolo, no entanto, que diante da diminuição da distância vira aumentar os encantos da sua amada, acelerou involuntariamente o seu passo, renovando o terror na amedrontada Dafne.

— Mas que canalha! — indignou-se a ninfa, tomando novo impulso para a corrida, mas já estava exausta e não era páreo para Apolo, o deus do astro que jamais se cansa de percorrer o Universo, todos os dias.

Sentindo um peso nas pernas, Dafne voltou o rosto aterrado para trás e percebeu que as mãos do deus quase tocavam os seus fios de cabelo. Contornando a mata, retornou outra vez à margem do rio Peneu, clamando pela ajuda do velho rio:

— Socorro, Peneu! Faça com que eu perca de vez esta beleza funesta, já que ela é a causa de todos os meus sofrimentos! — disse, disposta a entregar à natureza todos os seus dons em troca da liberdade.

Dafne, a alguns passos do rio, deu um salto, pretendendo atingir a água. mas seu tornozelo foi agarrado pela mão firme de Apolo, fazendo com que seu corpo caísse sobre a grama verde e fofa das margens. Um suspiro forte escapou de seus lábios entreabertos, com o impacto da queda. Ainda tentou rastejar em direção à água, porém sem sucesso. Apolo, cobrindo-a de beijos, recusava-se a largá-la. Finalmente, com um suspiro de alívio, a ninfa sentiu que seu corpo começava a se recobrir com uma casca áspera e grossa, enquanto seus cabelos viravam folhas esverdeadas. Descolando finalmente seus pés da boca do agressor, Dafne sentiu que eles se enterravam na terra, transformando-se em sólidas e profundas raízes.

Apolo, ao ver que sua amada estava para sempre convertida numa árvore — um loureiro -, ainda tentou extrair do resto de seu antigo corpo um pouco do seu calor, abraçando-se ao tronco e procurando-lhe os lábios. Não encontrou a suavidade do antigo hálito da ninfa, mas apenas o odor discreto da resina.

Apolo, desconsolado, despediu-se levando consigo, como lembrança, algumas folhas, com as quais enfeitou sua lira. Enfeitou também a fronte com estas mesmas folhas, em homenagem a Dafne — a mulher que nunca foi nem jamais será sua.


Fonte: mitologia.templodeapolo

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

De Sartre ao Cisne dúbio de cada um: o inferno são os outros?

"Entretanto, cada um tem no seu próximo um espelho, no qual vê claramente os próprios vícios, defeitos, maus hábitos e repugnâncias de todo o tipo. Porém, na maioria das vezes, faz como o cão, que ladra diante do espelho por não saber que se vê a si mesmo, crendo ver outro cão".      Schopenhauer


Você já deve ter ouvido falar nesta frase: "O inferno é o outro." Sartre foi quem a criou. E representa muito bem a dinâmica da projeção da Sombra.

Se você meu caro leitor assistiu o filme Cisne Negro, pode verificar a ocorrência desse fenômeno. Natalie Portman (Nina) projeta sua Sombra (atributos renegados por sua persona) em Mila Kunis (Lily). Nina se sente assombrada, perseguida por Lily.





Porém, são seus próprios demônios que a perseguem. "Ela é o maior obstáculo para si mesma", conforme ouviu de seu Ânimus, representado no filme por seu professor.

É o que muitos de nós, fazem muitas vezes: enxergam no outro aquilo que dentro de si mesmos mais os assombra.

Nina renega seu lado "cisne negro" por estar tão identificada com sua persona lindinha, certinha, bonitinha, "branquinha." Porém, para representar o papel de protagonista na peça, precisa desenvolver o outro lado, aquele que vai além do socialmente aceito. É a necessidade de desenvolver e expressar (o ideal que seja conscientemente) a Sombra.

Como tem medo desses atributos em sua natureza, ela os projeta em Nina. Sendo ela o seu oposto: sensual, rebelde, solta e espontânea, vive em sua vida o que Nina tem tanto horror de fazer, por mais que, em seu íntimo, deseje viver assim.

Quantas vezes nós não nos sentimos ao mesmo tempo fascinados e raivosos diante daquela pessoa que tem um jeito de ser que, no fundo, queríamos ter e expressar? Sentimos inveja? Mas num mesmo nível, admiramos. Somos atraídos e, simultaneamente, repelidos por essa pessoa. Na verdade, não é a pessoa em si, mas aquilo que ela representa: o NÃO VIVIDO em nós. Eis a Sombra.

O problema da projeção se tornar perigosa ocorre quando não se vê o outro como o reflexo de nós mesmos. O outro vira o inimigo-mor que precisa ser aniquilado para que eu não precise ter um espelho que reflita aquilo o que eu reluto em viver, desenvolver, experimentar, expressar. Os preconceitos muitas vezes surgem nesse contexto.

Por fim,

"O inferno são os outros. Projetamos nos outros a nossa realização e aguardamos deles, algo que amenize o vazio que nos habita."   (Sartre)


Referencia:
esqueletodoarmario
yub-universosimbolico

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Matrix e mitologia

          Já faz um tempo que tenho o desejo de unir o pop e o erudito nesse blog. Essa vai ser a primeira experiência. Tenho uma adoração por filmes e séries (e alguns animes) e desde que comecei o blog tenho vontade de escrever sobre Matrix. O filme é mais do que apenas uma obra de ficção e ação. Resgata mitos, arquétipos e nos leva ao contato com a filosofia por meio de de um vasto simbolismo.
           No dicionário etimológico o nome “matrix" é bem sugestivo já que vem do latim "lugar onde alguma coisa se gera." O que as máquinas fazem com o corpo físico das pessoas é uma espécie de gestação. O corpo físico fica encubado e ninguém vive de maneira autêntica, a realidade é criada pelo programa. É mais complexo que a teoria da conspiração realizada pelos meios de comunicação. O filme Matrix vai além. Torna a questão da manipulação da consciência também  uma coisa física.

Numa luta entre homens e máquinas em meados de 2199 a inteligência artificial descobre que a humanidade não passa de pilhas. Dominado pelas máquinas, o homem passou a ser cultivado em eletrodos para poder servir de base energética. Enquanto fica em estado de cultivo para fornecer energia, sua realidade é um grande programa de computador chamado Matrix. Esse programa simula uma realidade falsa durante o estado de sono. O problema é que as pessoas ficam o tempo todo em sono induzido.
E o que isso tem a ver com a questão da mitologia e arquétipo  em Matrix? Neo e Morpheus encontram-se no ano que parece 1999 e  Morpheus exerce um pouco do que o deus grego com o seu nome fazia. O nome Morfeu quer dizer "a forma" e representa o dom desse deus: viajar ao redor da Terra para assumir feições humanas e, dessa maneira, se apresentar aos adormecidos durante os seus sonhos. Morpheus no filme procura a reencarnação do eleito (messias) que acredita ser Neo, e pode entrar e sair do programa e de qualquer realidade alternativa. Assim como o deus olimpiano podia entrar e sair de qualquer sonho.
O que é interessante que o filme é usado inúmeras vezes para exemplificar teorias de conspiração. “Sair da matrix” é uma espécie  de terminologia utilizada para pensar por si mesmo, ser autônomo nas ideias, ser coerente consigo mesmo. 

Outras curiosidades sobre Matrix: (retiradas da internet)


- Quando Neo está com o oráculo, sobre a porta desta há uma placa com os dizeres em latim: “Conhece-te a ti mesmo”. A mesma inscrição que há no Templo de Delfos, construído para o deus Apolo. 



Os nomes dos 3 personagens principais são mensagens também a serem decifradas:


Neo – Além de ser o novo, o redentor é também uma analogia a Noé que no velho testamento é o responsável por um novo mundo. Também através de Neo é possível se escrever One que é Um em inglês e também Eon, que significa ciclo ou era, resultando numa combinação de analogias onde Neo personifica uma Nova Era.

Trinity – Em inglês trinity significa trindade e no filme a trindade formada por Neo, pela própria Trinity e Morfeu tem a missão da salvação da humanidade. Note-se que nas trindades de várias religiões e tradições há a figura feminina.

Morfeu – Morfeu tem a habilidade de assumir qualquer forma humana e aparecer nos sonhos das pessoas como se fosse a pessoa amada por aquele determinado indivíduo. Seu pai é o deus Hipnos, do sono. Os filhos de Hipnos, os Oneiros, são personificações de sonhos, sendo eles Ícelo eFântaso. Morfeu foi mencionado na obra Metamorfoses de Ovídio como um deus vivendo numa cama feita de ébano numa escura caverna decorada como flores.
A droga morfina tem seu nome derivado de Morfeu, visto que ela propicia ao usuário sonolência e efeitos análogos aos sonhos.
Quando uma pessoa augura-se: vá para os braços de Morfeu, significando dormir bem.