terça-feira, 4 de junho de 2013

"Bora" falar da projeção?


Segundo Freud, a projeção é um mecanismo de defesa psicológico em que determinada pessoa "projetaseus próprios pensamentos, motivações, desejos e sentimentos indesejáveis numa ou mais pessoas. Para ser mais ousada, chego a pensar que a projeção é aquilo que nos faz ficar em estado de "delira", imaginando que aquele ser pelo qual você tem sonhado acordado é algo que você gostaria na sua vida, dirimindo as muitas deficiências (algumas delas bem evidentes) para que possa prosseguir na história de uma pessoa só.

Jung define projeção como “um processo inconsciente e automático, pelo qual um conteúdo inconsciente para o sujeito é transferido para um objeto, fazendo com que este conteúdo pareça pertencer ao objeto”.
A projeção cessa no momento em que se torna consciente, isto é, ao ser constatado que o conteúdo pertence ao sujeito. Todos nós temos dentro de nós aspectos masculinos e femininos que retratam nosso ideal de homem ou de mulher, Jung denominou esses aspectos da personalidade de animus e anima. Quando projetamos esses aspectos no rosto de outra pessoa achamos que estamos amando, porém na grande maioria das vezes só estamos projetando um ideal.
A seguir, um poema de Pessoa que exemplifica a questão da projeção como fixação e o momento em que ela cessa, em que ele constata que o objeto da sua projeção era mais invenção pertencente a si mesmo. 
*dica: leia o poema com a música abaixo, é uma experiência quase que sem igual.

Amei-te e por te amar

Fernando Pessoa
Amei-te e por te amar
Só a ti eu não via...
Eras o céu e o mar,
Eras a noite e o dia...
Só quando te perdi
É que eu te conheci...
Quando te tinha diante
Do meu olhar submerso
Não eras minha amante...
Eras o Universo...
Agora que te não tenho,
És só do teu tamanho.
Estavas-me longe na alma,
Por isso eu não te via...
Presença em mim tão calma,
Que eu a não sentia.
Só quando meu ser te perdeu
Vi que não eras eu.
Não sei o que eras. Creio
Que o meu modo de olhar,
Meu sentir meu anseio
Meu jeito de pensar...
Eras minha alma, fora
Do Lugar e da Hora...
Hoje eu busco-te e choro
Por te poder achar
Não sequer te memoro
Como te tive a amar...
Nem foste um sonho meu...
Porque te choro eu?
Não sei... Perdi-te, e és hoje
Real no [...] real...
Como a hora que foge,
Foges e tudo é igual
A si-próprio e é tão triste
O que vejo que existe.
Em que és [...J fictício,
Em que tempo parado
Foste o (...) cilício
Que quando em fé fechado
Não sentia e hoje sinto
Que acordo e não me minto...
[...] tuas mãos, contudo,
Sinto nas minhas mãos,
Nosso olhar fixo e mudo
Quantos momentos vãos
Pra além de nós viveu
Nem nosso, teu ou meu...
Quantas vezes sentimos
Alma nosso contacto
Quantas vezes seguimos
Pelo caminho abstracto
Que vai entre alma e alma…
Horas de inquieta calma!
E hoje pergunto em mim
Quem foi que amei, beijei
Com quem perdi o fim
Aos sonhos que sonhei…
Procuro-te e nem vejo
O meu próprio desejo…
Que foi real em nós?
Que houve em nós de sonho?
De que Nós fomos de que voz
O duplo eco risonho
Que unidade tivemos?
O que foi que perdemos?
Nós não sonhámos. Eras
Real e eu era real.
Tuas mãos — tão sinceras…
Meu gesto — tão leal...
Tu e eu lado a lado...
Isto... e isto acabado...
Como houve em nós amor
E deixou de o haver?
Sei que hoje é vaga dor
O que era então prazer...
Mas não sei que passou
Por nós e acordou...
Amámo-nos deveras?
Amamo-nos ainda?
Se penso vejo que eras
A mesma que és... E finda
Tudo o que foi o amor;
Assim quase sem dor.
Sem dor... Um pasmo vago
De ter havido amar...
Quase que me embriago
De mal poder pensar...
O que mudou e onde?
O que é que em nós se esconde?
Talvez sintas como eu
E não saibas sentil-o...
Ser é ser nosso véu
Amar é encobril-o,
Hoje que te deixei
É que sei que te amei...
Somos a nossa bruma…
É pra dentro que vemos...
Caem-nos uma a uma
As compreensões que temos
E ficamos no frio
Do Universo vazio...
Que importa? Se o que foi
Entre nós foi amor,
Se por te amar me dói
Já não te amar, e a dor
Tem um íntimo sentido,
Nada será perdido...
E além de nós, no Agora
Que não nos tem por véus
Viveremos a Hora
Virados para Deus
E n'um (...) mudo
Compreenderemos tudo.
2-12-1913
Pessoa Inédito. Fernando Pessoa. (Orientação, coordenação e prefácio de Teresa Rita Lopes). Lisboa: Livros Horizonte, 1993.
  - 11.



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