quarta-feira, 10 de outubro de 2012

MITO DE NARCISO E A IMPOSSIBILIDADE DO AMOR PARA O NARCISISTA


ENCONTRO DE ECO E NARCISO: A VERGONHA DA NINFA

Narciso era filho do deus-rio Cephisus e da ninfa Liriope, e era um jovem de extrema beleza. porém, à despeito da cobiça que despertava nas ninfas e donzelas, Narciso preferia viver só, pois não havia encontrado ninguém que julgasse merecedora do seu amor. E foi justamente este desprezo que devotava as jovens a sua perdição.
Um dia a vida juntou Narciso e Eco, uma bela ninfa, amante dos bosques e dos montes, companheira favorita de Ártemis (Diana) em suas caçadas.
Eco tinha um grande defeito: falava demais, e tinha o costume de dar sempre a última palavra em qualquer conversa da qual participava.
Um dia Hera, desconfiada - com razão - que seu marido estava divertindo-se com as ninfas, saiu em sua procura. Eco usou sua conversa para entreter a deusa enquanto suas amigas ninfas se escondiam. Hera, percebendo a artimanha da ninfa, condenou-a a não mais poder falar uma só palavra por sua iniciativa, a não ser responder quando interpelada.
A ninfa passeava por um bosque quando viu Narciso que perseguia a caça pela montanha. Admirou a beleza do jovem e forte a paixão que a assaltou. Seguiu-lhe os passos e quis dirigir-lhe a palavra, falar o quanto ela o queria. Mas não era possível - era preciso esperar que ele falasse primeiro para então responder-lhe. Distraída pelos seus pensamentos, não percebeu que o jovem dela se aproximara. Tentou se esconder rapidamente, mas Narciso ouviu o barulho e caminhou em sua direção.
- Há alguém aqui?
- Aqui! - respondeu Eco.
Narciso olhou em volta e não viu ninguém. Queria saber quem estava se escondendo dele, e quem era a dona daquela voz tão bonita.
- Vem - gritou.
- Vem! - respondeu Eco.
- Por que foges de mim?
- Por que foges de mim?
- Eu não fujo! Vem, vamos nos juntar!
- Juntar! - a donzela não podia conter sua felicidade ao correr em direção do amado que fizera tal convite.
Narciso, vendo a ninfa que corria em sua direção, gritou:
- Afasta-te! Prefiro morrer a te deixar me possuir!
- Me possuir... - disse Eco.
Foi terrível o que se passou. Narciso fugiu, e a ninfa, envergonhada, correu para se esconder no recesso dos bosques. Daquele dia em diante, passou a viver nas cavernas e entre os rochedos das montanhas. Evitava o contato com os outros seres, e não se alimentava mais. Com o pesar, seu corpo foi definhando, até que suas carnes desapareceram completamente. Seus ossos se transformaram em rocha. Nada restou além da sua voz. Eco, porém, continua a responder a todos que a chamem, e conserva seu costume de dizer sempre a última palavra. 

 A FONTE DA VAIDADE 

Não foi em vão o sofrimento da ninfa, pois do alto, do Olimpo, Nêmesis vira tudo o que se passou. Como punição, condenou Narciso a um triste fim, que não demorou muito a ocorrer. Havia, não muito longe dali, uma fonte clara, de águas como prata. Os pastores não levavam para lá seu rebanho, nem cabras ou qualquer outro animal a frequentava. Não era tampouco enfeada por folhas ou por galhos caídos de árvores. Era linda, cercada de uma relva viçosa, e abrigada do sol por rochedos que a cercavam. Ali chegou um dia Narciso, fatigado da caça, e sentindo muito calor e muita sede.
Narciso debruçou sobre a fonte para banhar-se e viu, surpreso, uma bela figura que o olhava de dentro da fonte. "Com certeza é algum espírito das águas que habita esta fonte. E como é belo!",disse, admirando os olhos brilhantes, os cabelos anelados como os de Apolo, o rosto oval e o pescoço de marfim do ser. Apaixonou-se pelo aspecto saudável e pela beleza daquele ser que, de dentro da fonte, retribuía o seu olhar. Não podia mais se conter. Baixou o rosto para beijar o ser, e enfiou os braços na fonte para abraça-lo. Porém, ao contato de seus braços com a água da fonte, o ser sumiu para voltar depois de alguns instantes, tão belo quanto antes.
- Porque me desprezas, bela criatura? E por que foges ao meu contato? Meu rosto não deve causar-te repulsa, pois as ninfas me amam, e tu mesmo não me olhas com indiferença. Quando sorrio, também tu sorris, e responde com acenos aos meus acenos. Mas quando estendo os braços, fazes o mesmo para então sumires ao meu contato.
Suas lágrimas caíram na água, turvando a imagem. E, ao vê-la partir, Narciso exclamou:
- Fica, peço-te, fica! Se não posso tocar-te, deixe-me pelo menos admirar-te.
Assim Narciso ficou por dias a admirar sua própria imagem na fonte, esquecido de alimento e de água, seu corpo definhando. As cores e o vigor deixaram seu corpo, e quando ele gritava "Ai, ai", Eco respondia com as mesmas palavras. Assim o jovem morreu.
As ninfas choraram seu triste destino. Prepararam uma pira funerária e teriam cremado seu corpo se o tivessem encontrado. No lugar onde faleceu, entretanto, as ninfas encontraram apenas uma flor roxa, rodeada de folhas brancas. E, em memória do jovem Narciso, aquela flor passou a ser conhecida pelo seu nome.
Dizem ainda, que quando a sombra de Narciso atravessou o rio Estige, em direção ao Hades, ela debruçou-se sobre suas águas para contemplar sua figura.


AUTOESTIMA X PROJEÇÃO

Indivíduos narcisistas esforçam-se para defender sua fraca autoestima através da fantasia. Eles têm uma imensa mancha na alma (ferida narcísica), que não pode ser mostrada nem mesmo em sua forma de pensar. As fantasias e as expectativas irrealistas surgem cedo na vida dessas pessoas. Os narcisistas têm outros mecanismos de defesa ou formas erradas de pensar. Dentre eles estão a negação, repressão de sentimentos, pensamento radical do tipo, preto ou branco, e a projeção da culpa.
Em geral, eles são rígidos e tem uma forte necessidade de acertar sempre. A autoestima dessas pessoas melhora quando conseguem o que desejam. Nunca sentem remorsos em usarem as pessoas à sua volta. Eles são hipersensíveis às criticas e podem tanto revidar o ataque às outras pessoas, como também, pular fora (sair de fininho, como se diz por aqui). Eles podem afastar-se fisicamente ou, afastarem-se afetivamente, mas, sempre estarão ressentidos. A combinação das defesas utilizadas por esse tipo de individuo distorce a realidade dos sentidos e faz com que falhe em relacionar-se com os demais.
Pessoas com traços severos de narcisismo patológico vivem em busca de um amor ideal que possa cuidar de seu fraco senso de self e dar-lhes um amor incondicional. Eles não pensam que os outros também têm que receber. Eles têm por padrão, distorcer a própria imagem (a fantasia de que eles são superiores aos demais). Tudo que eles pensam sobre si próprios é uma defesa para encobrir seu profundo sentimento de vergonha.
Na mente dos indivíduos narcisistas há um tipo de vão, uma brecha entre o amor que elas idealizaram e o relacionamento real com os parceiros. Eles buscam uma simbiose com o parceiro idealizado que tem a função de estabilizar seu self, mas eles vivem paralelamente, o medo de serem traumatizados. Dessa maneira, eles se refugiam na aparência de parecerem bons sujeitos e com isso, tentam ganhar aprovação e reconhecimento. Quando não conseguem seu intento, eles sentem-se inúteis e feridos como também atacados. A fantasia é uma tentativa de processar informações, emoções e pânicos, não solucionados durante a infância. O objetivo é criar um tipo de maquiagem do que eles não tiveram no período infantil. Eles fazem demandas irrealistas para as pessoas próximas a fim de que possam se sentir bem.
Essas defesas são maneiras que o indivíduo tem de não sentir nada, mas, são ótimas para demandar sucesso quando eles não se sentem bem. Eles não toleram o stress emocional e assim, tendem a projetá-lo sobre os demais, atribuindo-lhes maldade. Pessoas que não podem tolerar seus próprios sentimentos de medo, de dor, ansiedade, desesperança e desespero, certamente não podem reconhecer essas emoções nos outros. Eles negam, racionalizam sua própria contribuição ou participação nos problemas que criam e mantém sua fantasia interna de que são ótimos e que as coisas que fazem estão absolutamente certas. Eles também sofrem de repressão e projeção outros tipos de defesas.
Pessoas narcísicas são sempre repressoras em algum grau, mas nem todos os repressores são narcísicos. O antídoto para o comportamento narcísico é compreender como as defesas dessas pessoas funcionam, identificar e corrigir os erros do pensamento e ensiná-los a tolerar frustrações, ansiedade, tristeza e vergonha. Através desse tipo de aprendizado, podem se tornar mais honestos consigo próprios e também com os demais. Dessa forma, as defesas doentes serão diminuídas.
O indivíduo narcísico que tem as defesas diminuídas pode aprender a viver no mundo da realidade, mesmo que venha a se ferir algumas vezes. Quando forem frustrados, em vez de fantasiarem eles poderão encontrar soluções reais. Com um trabalho duro, pessoas com defesas narcísicas podem aprender a negociar os conflitos de forma apropriada e expressar sua raiva com alguma segurança. Como eles aprenderão a serem mais realistas com seus sentimentos, eles vão construir uma autoestima mais honesta e poderão crescer mesmo que isso signifique ficar vulnerável e enfrentarem estados emocionais desconfortáveis. Na medida em que essas habilidades forem aprendidas, eles poderão conquistar mais satisfação e construir relações equilibradas com os demais.
A psicologia distingue duas formas de narcisismo: o primário e o secundário.  No narcisismo primário, a criança nos primeiros meses de vida não se distingue do mundo exterior. Forma uma unidade tão completa com a mãe que não percebe que as necessidades, as carências, estão dentro dela, enquanto a fonte de satisfação está fora, na mãe. Unida com a mãe, sente-se um ser completo e feliz. Aos poucos, começa a perceber que ela é uma pessoa e a mãe, outra. Toma consciência de sua dependência do mundo exterior para a satisfação de suas necessidades. Rompido o vínculo narcisista primário, a criança dará o primeiro passo para o desenvolvimento satisfatório de sua personalidade.
Quando esse rompimento é doloroso e insatisfatório, tem-se o narcisismo secundário. A criança, e mais tarde o adulto, criará um ego idealizado que se confundirá com seu próprio eu. Imaginar-se-á poderosa, sem necessidade dos outros, e ficará envaidecida com sua -. Não poderá, então, interessarem-se de verdade pelos outros, simplesmente os usará quando servirem para o enaltecimento de seu "poder" e de suas "qualidades".
O narcisismo revela a incapacidade de relação amorosa autêntica. O narcisista só se interessa por quem alimenta a imagem engrandecida e envaidecida que ele faz de si mesmo - o eu idealizado, narcísico. Como esse eu não corresponde a nenhuma pessoa real, as relações narcísicas são superficiais e insatisfatórias. O narcisista é contraditório: precisa do outro para manter sua autoimagem, mas não consegue relacionar-se amorosamente com ele.
A sociedade contemporânea, individualista, sem espírito comunitário e dependente do consumo, desenvolve condições para que o narcisismo aflore. As propagandas investem nos indivíduos, alisando-lhes o ego e tratando-os como onipotentes e merecedores de ver todos os seus desejos satisfeitos.
A pessoa se sente engrandecida, à medida que adquire e possui coisas. Não admite mais as frustrações da vida, reagindo a elas de maneira infantil e destrutiva. A insatisfação permanente, gerada pela impossibilidade de ter os desejos satisfeitos, segundo as promessas do sistema, torna as pessoas agressivas e violentas. A violência é a outra forma da onipotência.
O desejo permanente de fama, sucesso e beleza levam os indivíduos a temer e rejeitar a velhice; por isso, a eterna juventude é glorificada e a velhice, execrada. Envelhecer é crime. Na sociedade narcísica, as pessoas são vazias, incapazes de relações profundas e verdadeiras. Daí a quase impossibilidade de amor entre elas. Não de ser sintomático o surgimento da expressão "ficar com alguém". Ficar, ao contrário de amar, é o verbo da moda.
Superar o narcisismo é desenvolver a capacidade de encontro e de sensibilidade para com o outro, é ser capaz de responder ao seu apelo.

FONTE:  (AAVV. Para filosofar. São Paulo: Scipione, 2002, pp. 108-111)


3 comentários:

  1. Eco tinha um grande defeito: falava demais, e tinha o costume de dar sempre a última palavra em qualquer conversa da qual participava. = GOSTO DE MULHER ASSIM, DESDE QUE SEJA CHARMOSA, ELEGANTE E SEXY TAMBÉM, RSRSRS

    o rosto oval = ESTÁ FORA DE MODA. ROSTO BONITO HOJE É O DO ESTILO CLÁSSICO, COMO O MEU.

    - Porque me desprezas, bela criatura? E por que foges ao meu contato? Meu rosto não deve causar-te repulsa, pois as ninfas me amam, e tu mesmo não me olhas com indiferença. Quando sorrio, também tu sorris, e responde com acenos aos meus acenos. Mas quando estendo os braços, fazes o mesmo para então sumires ao meu contato. = ATÉ MINHAS PORQUINHAS DA ÍNDIA SÃO MAIS ESPERTAS. ELAS OLHAM O REFLEXO NO ESPELHO E POUCO TEMPO DEPOIS O IGNORAM KKKKKKKK


    Já me chamaram de narcisista e outras coisas, mas eu não me enquadro na grande maioria de qualificações deste texto. Aliás, frequentemente leio textos sobre anomalias psicossomáticas e ora me enquadro em algumas características, ainda que de forma tênue, ora não me enquadro em nada. Eu, dentro da minha ignorância sobre psicologia, acho perigoso e desaconselhável a existência de textos que definem, de forma definitiva e rígida, como se fosse uma regra matemática, o que seja narcisismo – ou qualquer outro comportamento fora da normalidade. Não acredito que haja apenas dois tipos de narcisismo: o primário e o secundário. Sei lá, somos sete bilhões de pessoas no mundo. Basta estudar análise combinatória e considerar que o comportamento humano tem infindáveis e inesgotáveis variáveis para destruir qualquer tipo de texto conclusivo sobre a mente e comportamento humano. Só aceito a existência de tais textos, pois eles têm como função criar debates sobre algo que, a princípio, é imperscrutável: a natureza humana. E este é sempre um assunto instigante e necessário.

    Beijo.

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  2. gostei do seu comentário..porém acho q à respeito do Mito de Narciso, só foi p vermos como um ser individualista, prepotente e metido por que é bonito e td e tal, ñ deve qrer ser...sei lá, é td questão de estudar, pesquisar...pq realmente existem mt's pessoas, e assim são todas diferentes

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  3. Apenas deslumbrada com o texto! O mito de Eco e Narciso é um dos meus favoritos, e nos mostra muita coisa a aprender.
    Parabéns pelo blog, ele me inspira,
    Beijo.

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